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Francisco Leite Duarte é Advogado tributarista, Auditor-fiscal da Receita Federal (aposentado), Professor de Direito Tributário e Administrativo na Universidade Estadual da Paraíba, Mestre em Direito econômico, Doutor em direitos humanos e desenvolvimento e Escritor. Foi Prêmio estadual de educação fiscal ( 2019) e Prêmio Nacional de educação fiscal em 2016 e 2019. Tem várias publicações no Direito Tributário, com destaque para o seu Direito Tributário: Teoria e prática (Revista dos tribunais, já na 4 edição). Na Literatura publicou dois romances “A vovó é louca” e “O Pequeno Davi”. Publicou, igualmente, uma coletânea de contos chamada “Crimes de agosto”, um livro de memórias ( “Os longos olhos da espera”), e dois livros de crônicas: “Nos tempos do capitão” …

Maria Dantas, o começo

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publicado em 31/05/2024 às 07h00
atualizado em 30/05/2024 às 14h24

Abriu meu mundo além das lamparinas e enxadas, em um tempo em que, no alto sertão da Paraíba, o Estado era de uma ausência assombrosa.

Professora de gente simples. Pessoas sujeitas a um horizonte tacanho, esperança castrada, as necessidades básicas nos enterrando nas profundezas da terra seca.

Eu estava lá para testemunhar. Cheguei aos nove anos. De início, a escola funcionava na casa dela. Uma mesa na sala do meio, dois bancos, giz, um quadro verde, todos desconfiados como bichos do mato, o que, de fato, éramos.

A mesa ficava em frente ao quarto do casal. Um guarda-roupa enorme: folhas de papel, provas para corrigir, livros, diários velhos, cartilhas, a anarquia própria dos guarda- roupas de todos professores e professoras.

No meu livro “Os longos olhos da espera”, Maria Dantas é citada várias vezes. Muito justo. É parte dele, testemunha, cúmplice, agente, incentivadora, ainda que não soubesse que um dia eu escreveria livros.

Pessoa digna, forte, imponente. O Sítio Saco Sinhazinha jamais a esquecerá: ela alfabetizou, instruiu e conduziu os filhos da comunidade. É a nossa parteira da educação.

Não a imagino morta. As professoras das primeiras letras se eternizam como o ígneo magma que alimenta os vulcões da sabedoria. Encantadas, se tornam letras também – ou a alma delas – vogais que preenchem o mundo de possibilidades comunicativas, de sons e de harmonia.

Imagino-a como a letra “A”.  Amplitude, amor, árvore frondosa que se abre e esparrama esperança, abraça como as mães que ligam as pernas da letra “A” com um banquinho e nele sentam seus filhos para educá-los e contar histórias.

Nos anos 60/70, naquele fim de mundo, só ela sabia que a educação poderia salvar os nascidos nos pedregulhos, filhos das secas, nos livrar das frentes de trabalho, do analfabetismo, da ignorância.

Tirando os dias de aulas, que para mim eram encanto, os dias em que mãe ia visitá-la era encanto maior. Café, bolacha comum, suco, queijo assado. Eu, diante de duas mães, cada qual em  sua missão. Madrinha Maria Dantas me elogiava. Eu sequer sabia fazer o “A”, mas ficava  ancho como um cururu teitei.

Maria Dantas não morreu.  Ela vive na letra “A”. Eu juro.

@professorchicoleite

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB