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Kubitschek Pinheiro
Fotos – Inbar Jeffery
As viúvas passam bem? Bom, as personagens Margarete e Guiomar protagonistas do novo romance “As viúvas passam bem”da escritora e jornalista pernambucana Marta Barbosa Stephens estão por aí, muito bem, obrigado. “Infelizmente, preciso já começar te decepcionando. Margarete e Guiomar são personagens fictícias”, diz a autora do livro lá da Inglaterra onde reside, no início da nossa conversa. O selo é da Editora Folhas de Relva.
A obra é fantástica, cujo narrador é uma garota de 13 anos, que acompanhou com interesse – como o restante da cidade – as situações absurdas que se desenrolaram a partir da morte dos dois homens, Richard e os maridos das viúvas.
Margarete é apresentada como uma mulher elegante, viúva de Richard, um inglês que se encantou por Recife, suas pontes coloniais, o carnaval, os maracatus, belezas arquitetônicas e, claro, com a Margarete, seu beijinho doce.
Dona Guiomar, se assim podemos chamar, é a outra viúva, sonhadora e dramática, que viveu durante anos com Alexandre, seu falecido, um relacionamento das priscas eras. Na época, ela era sua vizinha e ofereceu a ele uma espécie de suporte emocional, depois que ele matou uma jovem atropelada acidentalmente. Putz! E agora?
Bom, os vizinhos se matam e as mulheres continuam morando na mesma rua.. Para lidar com a dor, decidem se vingar com joguinhos infantis etc Lá na frente as duas mulheres fogem dos atos raivosos. Nesse ponto, Margarete encontra no teatro e nova amizade com o jovem Elias, a sensação de pertencimento, enquanto Guiomar se aproxima da paz de espírito ao pedalar e dar longas entrevistas imaginárias, como se fosse a badalada intelectual da vez.
Com capítulos curtos, o romance é irresistível – leiam a entrevista que a autora Marta Barbosa Stephens concedeu ao MaisPB e mergulhuem ai na trama das viúvas, que não são “maridas”, jamais. Aliás, segundo Paulo, a verdadeira viúva, aquela que não tem ninguém para cuidar dela, põe a sua esperança em Deus e ora, de dia e de noite, pedindo a ajuda dele. Porém a viúva que se entrega ao prazer está morta em vida. Timóteo, mande que as viúvas façam o que eu aconselho para que ninguém possa culpá-las de nada.
MaisPB – A história se passa em Recife – isso é muito bom. Claro que as personagens Margarete e Guiomar existem ou existiram, né?
Marta Barbosa Stephens – Infelizmente, preciso já começar te decepcionando. Margarete e Guiomar são personagens fictícias. Aconteceu, sim, um trágico episódio de um vizinho que matou o outro, deixando as duas viúvas que continuaram vizinhas. Isso ocorreu no início dos anos 1970 no Recife, antes mesmo de eu nascer, mas essa história seguiu reverberando e eu a tomei emprestado na escrita desse romance. Mas as personagens não foram sequer inspiradas nas pessoas reais. Propositalmente, não fiz pesquisa sobre elas. Quis que esse fosse mesmo o espaço da criação literária.
MaisPB – Bom, o livro “As viúvas passam bem”, já chega ao leitor inusitado, porque não temos muita literatura envolvendo a viuvez, salvo engano Nelson Rodrigues e Machado, Trevisan…
Marta Barbosa Stephens – Pois é, um tema tão trivial, não é mesmo? Mas que carrega tantas nuances, tantas faces e complexidades. Viúvas e viúvos sobrevivem, mas o que vem depois da morte de um grande amor é uma vida diferente. Talvez podemos até chamar de “outra vida”. Parto da minha experiência pessoal. Fiquei viúva muito jovem e, por uma questão de sobrevivência, fiz uma longa pesquisa sobre as possibilidades de recomeço, as etapas do reconstruir. Toda essa pesquisa foi usada na construção de Margarete e Guiomar.
MaisPB – Vamos pra capa – a tela “Mulheres olhando para o mar” de Alexandre Staut, (ele é pernambucano?) parece com as pinturas do artista já falecido do Recife, Rodolfo Mesquita. Como veio essa sacada de colocar a imagem de uma tela e na contracapa uma foto sua pela metade?
Marta Barbosa Stephens – Alexandre Staut é paulista. Ele é também meu editor, dono da Folhas de Relva. É, portanto, um profundo conhecedor do meu livro. Como artista plástico que admiro, me senti presenteada quando ele sugeriu pintar uma tela para capa. Em um momento em que se discute inteligência artificial e produção visual pela máquina, acho essa capa feta a mão uma rebeldia! Já a minha foto pela metade, para ser bem honesta, fiz minha própria maquiagem naquele dia e, só na foto, notei que um olho estava diferente do outro. Resolvi o problema com um corte da imagem.
MaisPB- A banalidade está presente no seu romance – tipo, o marido de uma, mata o marido da outra – eles descobrem rumores, conversas de rua, fuxicos – conta aí para a gente?
Marta Barbosa Stephens -Sim, existe uma tensão entre eles por pequenos atritos muitos comuns a quem mora porta a porta. Nada muito grave que justifique um fim tão dramático. Quis mesmo que fosse assim, para assinalar a brutalidade dos gestos. Violência por razões banais é tão comum, não é? Gostaria que o leitor tivesse esse estranhamento com o banal.
MaisPB – Quanto demorou para ficar pronto “As Viúvas Passam Bem?
Marta Barbosa Stephens – O processo inteiro deve ter durado uns quatro anos, mas confesso que mudo algo cada vez que releio. Só dei o livro como finalizado quando meu editor avisou que o prazo havia acabado. Acho que escrever é um labor sem fim. Tem sempre como melhorar.
MaisPB – Se o romance se passa pós morte dos maridos e foca no ódio que existia entre as personagens e todo rolo então podemos pensar nos romances policiais de Padura?
Marta Barbosa Stephens -Não acho que seja um romance policial. Estou mais interessada nos conflitos internos das personagens nesse processo de reconstrução. Mas é também um livro com partes muito engraçadas, porque as viúvas passam a organizar pequenas vinganças uma contra a outra e o ódio entre elas começa a beirar o trágico-cômico. Não é um livro pesado, embora toque em temas muito caros a qualquer um de nós.
MaisPB – A vingança aí nem nos remete para um “prato frio”, como diziam no sertão, mas uma confusão permanente, em qualquer classe brasileira, entre vizinhos. Estou certo?
Marta Barbosa Stephens – Exatamente. Chega um momento que ninguém mais pensa nos mortos. Passa a ser uma busca sem sentido por nominar no outro as próprias dores.
MaisPB- Cá para nós, mas conhecemos várias viúvas que adoram quando os maridos morrem, né?
Marta Barbosa Stephens – kkkkkk, em alguns casos pode ser um alívio mesmo, ne?
MaisPB – Quando você sacou que tinha uma escritora colada na jornalista – por quê? Porque são poucos jornalistas que escrevem bons livros, né?
Marta Barbosa Stephens – Escrevi meus primeiros livrinhos aos 13 anos, mas o jornalismo me tomou primeiro. Acho que a virada foi quando morei em Barcelona. Fiz uma pós-graduação em edição na Universidad de Barcelona e ali entrei em contato com escritores, editores de ficção, poetas e me reconectei ao prazer do fabular. Ao voltar para o Brasil, fui aprovada no mestrado em literatura na PUC de São Paulo e aí mergulhei nas profundidades da ficção. Sigo sendo jornalista (sou editora de notícias em uma agência inglesa), mas a literatura é minha grande ambição.
MaisPB – E seu livro de contos, o outro romance, a produção e a coisa toda?
Marta Barbosa Stephens -Meu primeiro livro “Voo luminoso de alma sonhadora” é uma coletânea de contos que faz uma leitura ficcional do livro “Amor líquido”, do sociólogo Zygmunt Bauman. Foi minha estreia na literatura e eu me orgulho muito. Depois, em 2018, lancei meu primeiro romance. Em “Desamores da portuguesa”, abordo temas como a imigração, o exílio da língua, além das questões do feminino e da busca do amor. “As viúvas passam bem” é meu terceiro livro.
MaisPB – Mora em Londres, vem muito ao Recife?
Marta Barbosa Stephens – Moro no sul da Inglaterra há dez anos. Vou ao Brasil uma vez por ano, mas já não tenho meus pais morando no Recife (minha mãe mora em São Paulo). Planejo ir esse ano em Recife e, quem sabe, João Pessoa também, cidades que amo.
MaisPB – Finalista do Premio LeYa de 2021 de Portugal, você já está com outro romance engatilhado – fala pra gente aí?
Marta Barbosa Stephens – Sim, falo com prazer. Estou escrevendo outro romance cujo tema central é a velhice ou o envelhecer. Parte da experiência que tive ao trabalhar por três meses em um asilo de milionários ingleses, onde os mais abastados da burguesia britânica passam seus últimos dias. Um lugar de contrastes que tem me dado espaço para explorar personagens muito marcantes.
OPINIÃO - 22/11/2024