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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Coral sem voz

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publicado em 09/06/2024 ás 08h44
atualizado em 09/06/2024 ás 09h36

Na mais sutil, sublime e não embaçada imagem, vi e ouvi um coral sem voz no Hospital Napoleão Laureano. Tudo estava programado, menos eu ali. Era uma solenidade que me tirou da feira orgânica da UFPB, da sexta-feira imprensada, mas, na luz da manhã, nada foi tão forte assim.

Antes da solenidade de entrega da Medalha “Janduhy Carneiro” a Germano Toscano, Harisson Targino, Nilson Crispim Júnior e Ronaldo Cardoso (pelos serviços prestados a Fundação Napoleão Laureano), aconteceu a apresentação do “Coral Bela Voz”, que existe há 16 anos, formado por pacientes laringectomizados totais, que foram acometidos por câncer de laringe e estão curados.

O grupo formado por homens e mulheres interpretou canções de Luiz Gonzaga, Roberto Carlos, Gonzaguinha e Adoniram Barbosa, entre outros. Im-pre-ssi-o-nan-te.

Veio uma voz, uma cumplicidade e muitas vozes, a plateia atenta, uma voz testemunha, como se o vento tocasse ou alguma lembrança, um astro e seus sucessos, até o indomável maestro brasileiro, João Carlos Martins.

Quando cantaram uma canção do Roberto, seguida da canção de Gonzaguinha, de que a vida é bonita, é bonita, pensei nos jarros de flores nas janelas das ruas do sertão e logo adiante, nas árvores de Ipanema, onde os moradores pregam as orquídeas, que ficam agarradas aos troncos, a sonhar com uma natureza imaginária.

Meço o intervalo entre as canções, os aplausos, a ovação que não precisa virilizar, aliás, a palavra certa é vitalizar. Não, os faróis ali iluminavam certezas, gente reunida à sua semelhança, pela raiz, de que, pelo menos por alguns instantes, somos todos iguais, e não somos, né?

Homens e mulheres, jovens e idosos com uma voz pequena, tão frágil, certos de que estão curados, sem curandeiros, sem missa, sem reza, curados por um tempo maior, pela ciência.

Algo não estava engatinhando, se quebrando, algo mais forte, uma sombra adiante, lá fora suas vidas simples, pessoas simples, todas como a gente, só que já passaram pelo corredor da morte e voltaram.

Eu não acreditava no que via, a via, o viés, até  depois de me perder nos corredores do Laureano, precisava urgente falar com o “médico das flores”, de Vinicius de Moraes, dizer a alguém o que eu vi e que outros possam ver também. O “Coral Bela Voz” do Hospital Laureano, todos com um aparelhinho junto da garganta, para suavizar a voz.

 A beleza estava na junção, uns tons, outros sons. O câncer não destrói o tempo, mesmo que ele seja monstruoso, porque o campo é da luta e a vida é toda de luta e não adianta fingir, fugir.

O Coral do Laureano não está no noticiário, mas avisaram que eles já se apresentaram em vários lugares do Brasil. Ganhamos nós com suas expressões teatrais, amorosas, mais fortes que as luzes das cidades, mais forte que os escurecimentos, as tonturas, os aborrecimentos, as coisas que nos adoecem tanto.

Cada número do Coral Bela Voz, um sol, escurecendo atravessando cicatrizes, uma disposição, porque paz sem voz, não é paz é medo, lá no baú do Rapa.

Kapetadas

1 -Quem pergunta pra quê serve o domingo não merece domingar.

2 – Cão cego, confuso na noite, uiva para um céu sem lua.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB