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Francisco Leite Duarte é Advogado tributarista, Auditor-fiscal da Receita Federal (aposentado), Professor de Direito Tributário e Administrativo na Universidade Estadual da Paraíba, Mestre em Direito econômico, Doutor em direitos humanos e desenvolvimento e Escritor. Foi Prêmio estadual de educação fiscal ( 2019) e Prêmio Nacional de educação fiscal em 2016 e 2019. Tem várias publicações no Direito Tributário, com destaque para o seu Direito Tributário: Teoria e prática (Revista dos tribunais, já na 4 edição). Na Literatura publicou dois romances “A vovó é louca” e “O Pequeno Davi”. Publicou, igualmente, uma coletânea de contos chamada “Crimes de agosto”, um livro de memórias ( “Os longos olhos da espera”), e dois livros de crônicas: “Nos tempos do capitão” …

Deus e eu

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publicado em 28/06/2024 ás 07h00
atualizado em 27/06/2024 ás 21h29

Apesar das brigas constantes e desconfianças recíprocas, nos respeitamos. Sempre foi assim, desde quando, lá nos confins da minha infância, me apresentaram Deus.
Chegou petulante, imposto pelos meus pais, pelas missas e novenas, pela catinga de vela queimada, flores secas, o incenso do oratório, um cheiro adocicado, o medo do inferno.
Depois, apresentou-se vingativo e injusto, um velho abusado do Velho testamento, manifestado pelas leituras de um Bíblia encontrada na gaveta de uma prateleira na casa da minha irmã. Para mim, Ele era como um papa-figo. Eu não o respeitava. Temia-o. Eu gostava mesmo era das histórias.
Isto perdurou por muito tempo, avançou pela adolescência até eu abusá-Lo, como quem, quando come em excesso, abusa doce de coco. Afastei-me D’ele para respirar. Confesso que não sei se Ele, teimoso como sempre foi, se afastou de mim, o que me era indiferente.
Ou não… Como dizia Caetano Veloso. Não demorou, fui obrigado por um pároco da cidade, professor do colégio estadual de Uiraúna, a copiar, em trezentas folhas de papel almaço, os evangelhos. Comecei pelo de São Marcos. Não adiantou. O que nos enfiam pela goela abaixo não provocam efeitos de bom grado.
No segundo grau, pela canção de São Francisco, fui apresentado a outro Deus. Mais jovem, cabelos longos, parecido com as músicas de Belchior. A música, que era de Roberto Carlos, era empolgante: “Jesus Cristo, Jesus Cristo…”, algo que, de alguma maneira, nem combinava com o sentimento que, lá atrás, eu sentia, acompanhando a crucificação daquele homem nas sextas feiras santas, em um velho rádio de oito pilhas.
Na universidade, o bicho pegou: contestação, ditadura militar, relativização, Política. Deus estava dentro de tudo isso, atravessado, vendo lá de cima, mas de soslaio.
Depois, o dever engoliu meu tempo. Silêncio.
Hoje, mais educadas, nossas brigas continuam. Às vezes, sem razão. Erro meu ou dele. Os meus, Ele já os conhece bem. Os Dele, eu não os perdoo. Quem já se viu deixar ladrões tomarem conta dos seus templos? Sei não, viu? A nossa briga vai ser eterna.
@professorchicoleite

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