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Educador Físico,  Psicólogo e Advogado. Especialista em Criminologia e Psicologia Criminal Investigativa. Agente Especial da Polícia Federal Brasileira (aposentado). Sócio da ABEAD - Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas e do IBRASJUS - Instituto Brasileiro de Justiça e Cidadania. É ex-presidente da Comissão de Políticas de Segurança e Drogas da OAB/PB, e do Conselho Municipal de Políticas sobre Drogas do município de João Pessoa/PB. Também coordenou por vários anos no estado da Paraiba, o programa educativo "Maçonaria a favor da Vida". É ex-colunista da rádio CBN João Pessoa e autor dos livros: Drogas- Família e Escola, a Informação como Prevenção; Drogas- Problema Meu e Seu e Drogas - onde e como lidar com o problema?. Já proferiu centenas de conferências e cursos, e publicou dezenas de artigos em revistas e livros especializados sobre os temas já citados.

Quem será beneficiado com a descriminalização da maconha?

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publicado em 02/07/2024 às 07h00
atualizado em 01/07/2024 às 16h15

Volto a comentar este assunto instigado pela recente decisão do Supremo Tribunal Federal, que descriminalizou o porte de até 40 gramas de maconha, desde que para consumo pessoal.

É importante admitir que este é um tema complexo, e, portanto, reclama uma discussão profunda de todos os seus aspectos, não devendo sua análise ser reduzida a um mero posicionamento contra ou a favor, como normalmente acontece.

Em primeiro lugar, quero esclarecer que descriminalizar é diferente de legalizar, ou seja, descriminalizar significa que, tal comportamento, portar a droga para consumo pessoal, não será mais taxado como crime, embora a substância possa continuar proibida; já a liberação significa que tanto o consumo como a venda da droga seriam livres, sem restrições. No caso em comento, o que aconteceu foi apenas a descriminalização do porte de até 40 gramas de maconha, para uso próprio.

Portugal, por exemplo, descriminalizou o consumo de todas as drogas, mas muitas destas, inclusive a maconha, continuam proibidas naquele país, e, dependendo do caso, o usuário ou dependente, flagrado portando tais substâncias é encaminhado às denominadas Comissões de Dissuasão da Toxicodependência (CDT), compostas por assistentes sociais, psicólogos, psiquiatras etc., e a citada comissão irá decidir, de acordo com o caso concreto, qual medida sócio educativa será aplicada. Entre estas estão: tratamento médico / psicológico, internação voluntária ou involuntária, multas, trabalhos comunitários, suspensão da carteira de motorista, do porte de armas etc.

Confesso que, na minha visão, a decisão do STF foi inoportuna e também uma gritante invasão nas atribuições do Congresso Nacional Brasileiro, que é o poder constitucionalmente responsável pela elaboração ou alterações das leis pátrias em nível nacional. E tal invasão indevida de competência não foi apenas em relação às atribuições legais do Congresso Nacional, mas também naquela alusiva à ANVISA, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que é a instituição responsável por relacionar, os diversos tipos de drogas e o devido controle destas, ou seja, quais devem ser proscritas, liberadas ou controladas.

As experiências têm mostrado que houve aumento significativo do consumo de drogas em todos os países que de alguma forma flexibilizaram o controle sobre o uso indevido destas substâncias. Muitos estudiosos afirmam que, quanto mais fácil o acesso a uma droga, e quanto mais tolerante a sociedade for em relação a estas, maior a probabilidade de mais pessoas aderirem a tal comportamento. Pode-se citar o exemplo do consumo do álcool, que é a droga mais consumida, e também a que mais provoca danos sociais e de saúde em todo o mundo. .

Não há dúvida que a maioria esmagadora da sociedade brasileira, independente da sua opinião, contra ou a favor da descriminalização do uso de drogas, deseja uma diminuição no número de mortes de jovens no nosso país e a interrupção do lucro fácil dos traficantes. Mas será que isso acontecerá com a descriminalização da maconha? Como já comentado, não foi o que aconteceu em países como: Holanda, Uruguai, Portugal, Canadá e ou alguns estados dos E.U.A., por exemplo, que promoveram tal flexibilização, seja descriminalizando ou liberando. O Uruguai, por exemplo, promoveu a legalização do consumo e venda da maconha desde 2014, e, de acordo com os dados apresentados por órgãos governamentais daquele país, o consumo desta droga passou de 9,3% em 2014 para 14,6% em 2018, e continua a crescer. A imprensa uruguaia tem relatado que, apenas um em cada três consumidores uruguaios adquire a maconha no mercado regulamentar, portanto, os traficantes continuam se locupletando, e o número de homicídios triplicou nos últimos anos.

Aqui no Brasil, o STF descriminalizou apenas o consumo, ou seja, o porte para consumo pessoal. Assim, a venda continuará ilegal, e, portanto, nas mãos dos traficantes, que certamente aumentarão significativamente os seus lucros, haja vista o provável e inevitável crescimento da procura da maconha por parte dos atuais e novos consumidores, advindo com isto o aumento do poderio e da violência do crime organizado, pois o braço mais lucrativo das organizações criminosas é o tráfico de drogas.

A lei nº 11.343/2006, que disciplina a política sobre drogas no Brasil, é bastante flexível com os usuários de drogas ilícitas e não os penaliza com nenhuma sanção privativa de liberdade. Se existe algum usuário de drogas encarcerado deverá ser por outros crimes, não pelo porte para consumo pessoal. Além disso, 40 gramas de maconha é uma quantidade alta com a qual poderão ser confeccionados dezenas de cigarros desta droga. A descriminação de tal volume, facilitará em muito a vida dos traficantes que irão capilarizar a venda desta droga nas mãos dos “aviõezinhos” (traficantes auxiliares), e todos continuarão livres sob o manto da descriminalização.

Quero acrescentar que, na minha ótica, o pilar mais importante numa política sobre drogas é a implantação de campanhas educativas que promovam informações precisas e imparciais sobre estas substâncias, inclusive as atualmente legalizadas e de uso farmacológico, especialmente voltadas para a camada social mais vulnerável a tal consumo, os adolescentes. Campanhas estas que busquem a diminuição global do consumo de drogas, e assim, só deveríamos pensar em flexibilizar o controle sobre estas substâncias após anos de ininterruptas campanhas educativas informativas sobre os malefícios relacionados a tal comportamento de uso indevido. Também arrisco dizer que a adoção de uma política nacional sobre drogas, apenas embasada em leis, sejam estas repressoras ou liberalistas, jamais será capaz de conseguir os benefícios sociais desejados. O sucesso de qualquer que seja a política pública depende do maior ou menor envolvimento tanto do poder público quanto da sociedade civil organizada com a causa, e isto só será possível pelas aludidas campanhas.

E assim, existe uma grande probabilidade que a recente decisão tomada pela Suprema Corte do judiciário brasileiro, venha beneficiar significativamente os traficantes e, consequentemente, o crime organizado, e, muito pouco ou nada, aos usuários de drogas, acarretando incalculáveis danos não só às áreas de saúde e segurança públicas, mas também comprometa às relações familiares, sociais e de sucesso escolar.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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