João Pessoa, 06 de julho de 2024 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Invariavelmente, às sextas-feiras, nos encontrávamos num circuito que começava na General Osório, na antiga Livraria Legal, perto da Loja Maçônica Branca Dias, descia para a Praça 1817, no Paraíba Palace Hotel, e subia para a Bambina Pizzaria ou o bar da API, na Visconde de Pelotas. Era o que eu denominei de “Sexta Básica”, um grupo bom, formado por Hildeberto Barbosa Filho, João Batista de Brito, Políbio Alves, José Edílson Amorim, Edônio Alves, Wellington Pereira, Aldo Lopes, Lúcio Lins, Magno Meira, José Antônio Assunção e eu.
Havia outros mais, cujos nomes me escapam, mas esse era o núcleo, que sempre aumentava com a chegada de novos agregados. Dentre eles, destacava-se Lúcio Lins, pela rapidez do pensamento, que me levava a chamá-lo de Lúcido Lins, diante da sua inquietude com o mundo.
Nesta semana, meu filho Daniel Soares, professor de informática, na FATEC de Tatuí, São Paulo, fez-me uma surpresa, enviando um vídeo em VHS, dos tempos das enormes câmeras de filmar, vídeo recuperado e digitalizado por ele (https://www.youtube.com/watch?v=uRzj4iRf0_I). É um documento único, para mim, e para a História da Poesia Paraibana, ao menos a sua primeira parte. Além das reuniões frequentes às sextas-feiras, reuníamo-nos em casa de um e de outro, para celebrar a vida e as nossas ilusões literárias literatura. O vídeo mostra uma filmagem de 1991 – já lá se vão 33 anos –, em que Magno Meira, Hildeberto, Lúcio Lins e eu, estávamos em minha casa, nos Bancários, e eu resolvi fazer uma filmagem despretensiosa, que, hoje, se transformou num raro documento, graças à tenacidade de meu filho.
No vídeo, o poeta Magno Meira, como de costume, calado, lembrando na aparência Manuel Bandeira. Lúcio Lins, fazendo uma performance poética de improviso, de onde surge o genial verso, que intitula este texto. Hildeberto, esperando o momento para fazer uma lúdica entrevista com Lúcio Lins, que assume o papel do poeta enfatuado, que vive no alto da sua vaidade, não menos enfatuada, numa encenação excelente e bem- humorada. Eu fazia a filmagem.
Depois, vê-se a debochada entrevista e, por fim, entremeado por um pedaço dos desenhos televisivos da época, gravado para os filhos, por cima daquele momento poético, digamos assim, apareço junto com Hildeberto, fazendo uma costumeira mistura de poemas. Pegávamos dois poetas ao acaso, cada um escolhia um poema e começávamos a leitura alternada. Um bom exercício de leitura e compreensão da dimensão da poesia, que nos trazia muita satisfação.
O que fica, no entanto, é a presença marcante de Lúcio Lins, que me parecia viver a vida no improviso, improviso que ia dando certo, para a sua aflitiva necessidade lúdico-intelectual. Lúcio estava sempre além, com um pensamento vivo e inquieto a se expressar constantemente, seja na sua poesia, seja em tiradas inteligentes e desconcertantes, seja nos trocadilhos, de que era um verdadeiro mestre.
Amigo de Lúcio, que conheci ainda na infância, com ele convivi mais a partir dos anos 80 até a data de sua morte. Afirmo, com a maior das convicções que, no atual mundo de mendicância intelectual, Lúcio faz uma falta enorme, com a sua verve sempre pronta para desestabilizar o intelectualismo e a necessidade de público que muitos têm, julgando-se grandes escritores e, principalmente, poetas. Lúcio não vivia à procura de ser reconhecido como poeta, nem mendigando que escrevessem sobre a sua poesia.
Eu mesmo nunca escrevi, achando que não havia um distanciamento suficiente, que me desse o conforto de escrever sobre a sua poesia. Lúcio, por sua vez, nunca me cobrou, sequer insinuou que eu escrevesse algo. O motivo? Porque Lúcio não era só poeta, ele vivia, mais do que qualquer outro, sem afetações, a poesia.
Lúcio era, posso assegurar, um ser em constante movimento, sem um ponto fixo como destino, a não ser a ânsia de viver, como um parafuso que faltava a si mesmo.
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TURISMO - 19/12/2024