João Pessoa, 10 de julho de 2024 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Agora ando lendo Nelson Rodrigues: A menina sem estrelas, A cabra vadia, O óbvio ululante, O reacionário. Assim mesmo, numa ordem circular que vai de um texto de um livro para um outro texto de outro, sob o imperativo apenas da sugestão do tema ou do interesse de ocasião.
Nelson é um dos meus preferidos, quando se trata principalmente do Nelson confessional, memorialista ou cronista de casos grotescos, de fait divers da imprensa, de lembranças íntimas, às vezes duras e chocantes, às vezes de um lirismo mais diáfano que o sopro da brisa no crepúsculo marinho.
O dramaturgo, enquanto texto em si, não me atrai, embora ele mesmo defenda a ideia de que o texto, em teatro, é fundamental. O romancista, muito menos. Aliás, nunca ando lendo romances. Romances, eu leio, e tem de ser numa disposição só, num ritmo agudo e contínuo, absolutamente concentrado na trama que deve possuir a capacidade de me retirar da banalidade do mundo cotidiano.
A coisa é também assim com os livros de ensaios, quando os livros de ensaios estão voltados para um único assunto: seja literário, filosófico, político, jurídico, antropológico ou moral, para me referir aos cenários teóricos que me cativam.
Leitor disperso e sem qualquer ambição de dominar este ou aquele tópico do conhecimento, sou dado às leituras rarefeitas, aparentemente desconectadas (digo “aparentemente”, porque vejo conexão em tudo!), abertas à possibilidade da volta, do retorno, do reencontro.
Certos autores são como velhos amigos, como as pessoas que amamos, e das quais, portanto, não podemos nos afastar por muito tempo. Andar lendo é estar convivendo; estar convivendo é realimentar esse amor que sempre se renova.
Venho fazendo isso, nesses últimos dois meses, com Nelson Rodrigues, e, numa outra clave, com Domenico de Masi, em O ócio criativo; com J. Krishnamurti, em Reflexões sobre a vida, e com Rubem Alves, em Educação dos sentidos.
Nelson, como eu dizia, me puxa para dentro da vida, no seu rendilhado de misérias e mesquinharias, terror e beleza; Domenico me traz o tempero da utopia e a possibilidade dos lucros intangíveis da criatividade; Krishnamurti é quase capaz de me deixar em paz e de me proporcionar a sabedoria intocável para compreender os conflitos interiores, sua dolorosa intensidade e esse movimento doido e doído que não acaba; Rubem é puro prazer e me encanta com a medida instável da poesia mais secreta no carrossel das frases mais aladas.
Por que leio assim? Ou melhor, por que ando lendo assim?
Porque leio e releio, e o faço pelo apetite de existir, certo de que não sei nada e de que sou rigorosamente incompleto. Leio sublinhando uma palavra qualquer que me brilha mais que as outras; recortando um parágrafo que vou decorar pelo resto da vida; escrevendo, em redor da página, meus entusiasmos e minhas indagações; grifando essa expressão, aquele período, um simples substantivo ou verbo que, isolados e ao mesmo tempo dentro daquele contexto semântico, reconfiguram, para sempre, a minha escala de valores.
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TURISMO - 19/12/2024