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Ana Karla Lucena  é bacharela em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Servidora Pública no Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba. Mãe. Mulher. Observadora da vida.

Não sei andar de bicicleta

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publicado em 15/07/2024 às 07h54

Cresci numa família pequena. Até os 15 anos, éramos apenas eu, minha irmã mais nova, meu pai e minha mãe. O caçula só nasceu depois. A “raspa do tacho”, rsrsrsrs! Nunca tive uma bicicleta. Talvez por sermos duas meninas, meus pais nunca se preocuparam com isso. Nossos brinquedos eram típicos de meninas: bonecas, utensílios domésticos em miniatura, no máximo alguns joguinhos… ah, e brincávamos muito na rua também. O quórum para as brincadeiras era completado pelos nossos primos, que moravam bem próximos a nós. Éramos crianças felizes. Muito amadas, cuidadas e protegidas. Mas guardo a mágoa da ausência da bicicleta.

Na adolescência, para suprir essa ausência, afinal, todas as amiguinhas sabiam andar de bicicleta, menos eu, decidi que estava na hora de aprender. Decisão tomada à revelia dos meus pais. Acho que nunca ficaram sabendo disso. Se soubessem, certamente seria o fim do meu intento.

Havia no bairro um senhor que alugava bicicletas. Nós escolhíamos, ele marcava o tempo e nos cobrava pelas horas. Pronto! O dinheiro que ganhava para o lanche da escola agora tinha outro destino: todas as tardes servia para pagar minhas lições de como andar de bike.  Não foram poucos os tombos e arranhões. Guardo ainda hoje algumas cicatrizes. Nunca devolvia a bicicleta no mesmo estado em que a pegava. Sempre voltava com alguma avaria. Até hoje me pergunto porque o dono ainda as alugava para mim. Enfim… caí, levantei, me machuquei várias vezes, mas nunca aprendi a andar de bicicleta. Acho que nasci desprovida de tal habilidade. Ainda hoje, quando me perguntam, sinto um pouquinho de vergonha. Ora, vejam só! Também não sei nadar. Mas isso é assunto para outro dia.

Por um bom tempo, essa história passou despercebida para mim. Era apenas mais um episódio de traquinagem de criança. Até que, ouvindo alguém contar a própria história de como foi difícil aprender a andar de bicicleta – história bem parecida com a minha, por sinal – me peguei refletindo sobre o assunto. Lembrei de quantas coisas tive que aprender sozinha na vida, sem rodinhas que me ajudassem a manter o equilíbrio. Dos aprendizados que concluí e também daqueles que desisti. Olhei para as cicatrizes ainda existentes no joelho e comparei com outras mais profundas que trago na mente e no coração. De tombos que me ajudaram a aprender e de quedas desnecessárias que poderiam ter sido evitadas.

Ainda posso aprender a andar de bicicleta. Só não sei se quero tentar. Se vale a pena cair mais algumas vezes ou se posso passar pela vida sem isso. É uma decisão fácil de ser tomada. É um aprendizado eletivo. O problema são aqueles dos quais não posso escapar. Eles surgem de forma impositiva. Às vezes a gente aprende fácil e logo sai pedalando. Outras vezes, o tombo é inevitável. De alguns eu posso desistir. Afinal, devemos saber a hora de nos retirar de determinadas situações. Mas existem lições das quais a nossa vida depende. Não dá para desistir. Precisamos ir até o fim. O joelho ralado vai parar de arder e a sensação de liberdade, com o vento batendo no rosto, vai valer a pena ao final das contas. Não é sobre bicicletas!

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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