João Pessoa, 15 de julho de 2024 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
“Estamos todos numa solidão e numa multidão ao mesmo tempo.” – Zygmunt Bauman
Somos todos andarilhos e viajantes de cabeça baixa, com dedos digitando e áudios gravando. Somos todos neutros, indiferentes, inconsequentes e até mesmo ineficientes. Não olhamos mais para os lados, e nem para cima, olhamos somente para baixo, e não é para o nosso umbigo, como sempre fizemos no exercício de nossa desumanidade.
Olhar no rosto, e olho no olho é uma prática humana quase extinta pela ordem mundial, que não está expressamente escrita, mas está consensualmente permitida. Não há tempo e nem interesse, porque o pequeno aparelho chamado celular na mão, não se pode mais dá atenção se a nossa visão parou numa prisão, com um fantasioso e belíssimo cenário de liberdade e interação.
Toda a realidade presente a nossa volta não é enxergada, a não ser que seja para ficar registrada num story qualquer ou num feed intencional. Se estamos numa praia, já não sentimos mais a sensação da brisa, o cheiro dos protetores solares que se espalham ao vento, e nem o sabor daquele sorvete baratinho vendido por alguém que geralmente grita a oferta dos sabores e oferece o seu produto com largo sorriso no rosto, porque estamos fixados a uma pequena tela, interagindo com os distantes e isolados dos presentes.
Se vamos aquele show esperado de um (a) artista admirado (a), ou a um evento familiar, religioso e até em velórios, sentimos a necessidade de registrar o que acontece para que o outro ou os outros saibam onde estamos e o que estamos fazendo. É uma espécie de vício (in) consciente que domina nosso bom senso e nossa racionalidade humana. Se ficarmos algumas horas sem “interagir” com a realidade virtual, sentimos a falta de algo que nos nutre, uma sensação semelhante à de uma abstinência que vem acompanhada de ansiedade e euforia. Sentimo-nos como alguém que está fora do convívio e fora da linha, por isso o termo off-line se faz tão contextual ao sentido da palavra.
As pessoas que em pouca quantidade conseguem enxergar a sua volta, mesmo que ainda sob os efeitos da catarata virtual, percebem o elevado número de crianças, adolescentes e jovens que adentraram no mundo paralelo das mídias sociais e começaram a se distanciar dos seus pais, irmãos e familiares, para viverem numa realidade paralela que idealiza uma vida muito distante de como ela é diariamente.
Todos são conduzidos a distorcerem a imagem real de si, pela imagem idealizada nos contornos da tela das redes sociais. É uma migração da verdade para a ilusão, o que chamo de: a fuga de si mesmo. E essa fuga para a ilusão tem um custo, quando não é mental é financeiro, ou ambos ao mesmo tempo. Nesse êxodo para o paraíso das ilusões é permitido se endividar para fazer viagens de alto custo, apreciar comidas caras, usar roupas e acessórios de alto valor, e expor cada momento e detalhe da circunstância para o outro e os outros, como uma espécie de massagem do ego para inflar a autoestima que anda baixa. E por falar em autoestima e baixa autoestima, eu falarei sobre esse assunto na próxima publicação, para que não distorçamos o foco principal desse simples texto que escrevo para vocês.
Em meio a esse nevoeiro que paira sobre nós, humanos e meros mortais vivendo os tempos da liquidez dos afetos, nossa visão sobre a vida e a nossa volta, quando não está embaçada está emocionalmente cega, precisando urgentemente de cirurgias corretivas para os cristalinos sentimentais e talvez transplantes de córneas morais e éticas para os casos mais graves dessa deficiência visual.
E quando a necessidade for apenas para o uso de óculos, que estes sejam preferencialmente transparentes para facilitar a visualização ao nosso redor, e nos casos em que os de sol sejam necessários, nunca esqueçamos que eles são úteis apenas para o dia e sem utilidade para a noite. Que não escureçamos o dia e nem fiquemos tropeçando à noite.
* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB
OPINIÃO - 22/11/2024