João Pessoa, 17 de julho de 2024 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Desde minha primeira adolescência que escuto música clássica. Raro o dia em que não frequente esse universo mágico e fascinante. Bach, Beethoven, Brahms, Tachaicovsky, Vivaldi, Mozart, Debussy, Ravel, Villa Lobos, entre outros, me são familiares e ocupam posição privilegiada no meu gosto musical.
Não tenho nenhuma formação técnica e quase nada sei de pautas e partituras, nem do idioma melódico que as sinfonias, os adágios, as sonatas, os minuetos e outras formas de composição formulam na esfera da linguagem musical. Em síntese, não entendo profissionalmente o segredo da coisa.
É a minha intuição estética (todos a possuímos), a minha sensibilidade auditiva, a minha imaginação que me conduzem pelos meandros da estesia que esse tipo de música me proporciona, no elástico leque de suas ofertas prazerosas. Diria, com Mário de Andrade, que a minha compreensão musical é quase fisiológica, sentimental, paralógica. Mais do coração do que da razão. Do corpo, mais do que da inteligência.
Procuro suprir, portanto, a falta de conhecimentos técnicos com as informações históricas acerca dos gêneros, escolas, obras e compositores que rastreio, aqui e ali, nas enciclopédias, nos dicionários, nos manuais e nos ensaios críticos a que tenho acesso e que constituem área substancial de minha biblioteca.
A estante de música, ao lado da de cinema e da de artes plásticas, reúne e preserva alguns títulos que podem servir de segura orientação a um leigo como eu. Um leigo melômano que aderiu, desde cedo, a força do pensamento nietzscheano, expresso nestas palavras: “Como conceber o mundo, sem a música!”.
Estou sempre a ler e reler Uma nova história da música, de Otto Maria Carpeaux, num velho exemplar das antigas Edições de Ouro, adquirido em 1977, creio que no Sebo de Albertino, localizado na Rua da República. Manual propedêutico, bem escrito, rico e variado nas informações sobre as obras e a vida dos grandes músicos da tradição ocidental que o autor conhece como poucos.
Não raro, confronto seus capítulos com as páginas da Pequena história da música, de Mário de Andrade, sobretudo no cotejo de certos nomes, como Bach, Beethoven e Tchaicovsky. O autor de Macunaíma discorre também sobre a música brasileira, a erudita e a popular, com desenvoltura e profundo conhecimento da matéria.
Outros estudam me ajudam muito. Introdução à música do século XX, de Eric Salzman; Introdução à música do nosso tempo, de Juan Carlos Paz; A nova música, de Aaron Copland, e Para compreender as músicas de hoje, de Henry Barraud, exploram aspectos mais específicos, principalmente em tornos dos movimentos de vanguarda e ruptura face à tradição tonal.
O atonalismo, o sistema dodecafônico, a música estocástica, o serialismo, as experiências eletrônicas são expostos e explicados na perspectiva da melhor didática, fazendo com que este melômano leigo possa conviver com a tradição e com a modernidade, presa do conforto e do prazer que essas legítimas orientações asseguram.
Quero referir ainda o que considero uma pequenina preciosidade no ramo livresco atinente à música clássica. Óbvio que minha opinião detém pouca valia. Não sou um especialista nem desfruto de vasta e sólida cultura musical, como um Kleber Maux e um Germano Romero. Um, do rádio; outro, do impresso, sempre legando, a seus ouvintes e leitores, os justos valores da mais genuína tradição musical.
Falo do livrinho do português Fernando Lopes Graça, intitulado Nossa companheira música, obra que parece ter sido escrita, na exata medida, para o destinatário leigo, porém, o leigo tocado sensivelmente pelo refinamento dos sons, dos acordes, das harmonias.
Livro fácil, livro útil, livro bom. O autor, abordando diversos problemas que podem envolver a experiência receptiva, traz a música, em especial, para dentro da vida. Música, emoção, prazer se misturam enquanto vivência interior e cotidiana. Uma vivência que não é só dos artistas, mas de todos.
Entre muitas lições que com ele aprendi, destaco esta, para fechar esta Letra Lúdica: “(…) todos os escritos (nele englobados) são mais ou menos solidários numa preocupação: a de conceber a música para o homem, a de tornar este o centro da arte dos sons, que não é apenas uma demonstração acústica, não é apenas uma pura construção intelectual, não é apenas um ofício e uma técnica, mas sim também, e acaso para além de tudo isso, um alimento espiritual, uma presença e uma mensagem vivas”.
Alimento espiritual! Tenho mais o que dizer?
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OPINIÃO - 22/11/2024