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Jornalista, cronista, diácono na Arquidiocese da Paraíba, integra o IHGP, a Academia Cabedelense de Letras e Artes Litorânea, API e União Brasileira de Escritores-Paraíba, tem vários publicados.

A cabra de Zé Américo 

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publicado em 17/07/2024 às 07h00
atualizado em 16/07/2024 às 16h34
 
Sempre lembramos de José Américo de Almeida como o escritor sabido que ganhou dimensão nacional com o romance A Bagaceira, mas antes havia se revelado um pesquisador arrojado ao publicar A Paraíba e seus problemas, em 1923. Um ano antes, com sua obra de estreia, Reflexões de uma Cabra, mostrou a dimensão de sua aguçada imaginação e poder de sintaxe para falar de questões inquietantes.
No início de década de 1920, na Paraíba, um grupo de jovens poetas e escritores produziam crônicas e poesias que publicavam na revista Era Nova, num esforço para impactar a população paraibana. Foi quando surgiu o livro Reflexões de uma Cabra de José Américo com relativo sucesso
O livro Reflexões de uma Cabra saiu com uma tiragem de cinco mil exemplares, sendo vendidos 800 exemplares no lançamento, que ocorreu a 1º de julho de 1922, um sábado, com muita badalação e ruidoso sucesso, como noticiou o Jornal O Norte, no dia seguinte. O jornal falava do autor como um escritor talentoso, sociólogo e jurista, à época, “um dos mais belos talentos da Paraíba”, e sua incursão pela novela era fracamente vitoriosa.
Não demorou provar isso. Seu livro ganhou privilegiados espaços na imprensa, críticos literários de renome dedicaram páginas com análise da obra esmiunçando sua temática e seu estilo.
Como descreveram os comentaristas de então, José Américo tinha estilo refinado, percebia-se a influência de Machado de Assis, mas o colocavam superior ao autor de Dom Casmurro pela expressão do sentimento acerca da paisagem da natureza quando falava da seca e da dor humana. Genuinamente, os costumes e o dialético sertanejos foram captados com rigor por quem viveu e sentiu a rusticidade da terra, descrito com o olhar de sociólogo mais do que pelo de ficcionista.
O título da obra deixava o leitor intrigado, e com razão. O próprio autor chegou a dizer que pensava chamar a obra de “Memórias de um ventoinha”, pois o personagem central foi por ele considerado “um frívolo, ambicioso, ingrato e acomodatício”.
Nos dias seguintes à publicação, os jornais da Capital dedicaram espaços para a opinião dos leitores, em muitas ocasiões ressaltando o preparo literário de José Américo, apesar de sua inconteste modéstia. Apontavam o invulgar senso crítico na abordagem das reminiscências.
         A obra teve boa aceitação do público. Após ler a obra, o poeta alagoana Jorge de Lima, considerou José Américo como “um dos cabras mais escovados da literatura pátria”, que até então tinha aparecido.
Mesmo sem a repercussão de A Bagaceira, sua obra maior que seria publicada seis anos depois, Reflexões de uma Cabra é uma fábula sertaneja a revelar um autor incomodado com as mazelas da região onde nasceu. Usando linguagem escrita fora do modismo em voga, a obra causou uma ruptura estética e temática. Ele introduziu a cabra como símbolo da caatinga nordestina na literatura brasileira.
Na obra fica evidente a presença de aspectos familiares nesta obra. Assim como o personagem Zé Fernandes, José Américo estudou para ser padre, mas abandonou o seminário.
O próprio autor esclarece no Post Scriptum que talvez “nem seja uma caricatura dos novos processos de ficção”. O certo é que a obra abriu as veredas para entrar a linguagem rebuscada do povo do Nordeste, seus ditos e costumes.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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