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Francisco Leite Duarte é Advogado tributarista, Auditor-fiscal da Receita Federal (aposentado), Professor de Direito Tributário e Administrativo na Universidade Estadual da Paraíba, Mestre em Direito econômico, Doutor em direitos humanos e desenvolvimento e Escritor. Foi Prêmio estadual de educação fiscal ( 2019) e Prêmio Nacional de educação fiscal em 2016 e 2019. Tem várias publicações no Direito Tributário, com destaque para o seu Direito Tributário: Teoria e prática (Revista dos tribunais, já na 4 edição). Na Literatura publicou dois romances “A vovó é louca” e “O Pequeno Davi”. Publicou, igualmente, uma coletânea de contos chamada “Crimes de agosto”, um livro de memórias ( “Os longos olhos da espera”), e dois livros de crônicas: “Nos tempos do capitão” …

Caititu e Paturi

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publicado em 02/08/2024 ás 07h00
atualizado em 01/08/2024 ás 15h14

(Crônica selecionada no 3º Concurso Nacional do Museu do Futebol)

 

Somente as aves voam. Minto. Aviões, insetos, pensamentos… Caititu e Paturi também. Na infância, corriam atrás das bolas de meias. As de couro foram conseguidas bem depois, após muita peregrinação junto a algum vereador da cidade de Uiraúna.

Todo voo tem chão firme. Nos terreiros das casas, pés descalços, unhas arrancadas pelos pedregulhos, campinhos ovais, triangulares, moldados em aclives e declives, disformes, irrequietos como os dribles e ousados como sói ser a existência daqueles que vivem uma vida mequetrefe.

As traves eram duas pedras. Bem depois, varas finas de marmeleiros. Às vezes não havia goleiro, todos chutavam para o mesmo lado. Não havia torcedores, salvo duas ou três arribaçãs ciscando o leito seco da vida, que não estavam nem aí para os espetáculos dos meninos.

E havia a fome. A fome dos jogadores era enganada pelo prazer do drible desconcertante. Adversários e as pedras do campinho desconjuntados pela ousadia dos moleques. Há, há, há!

Em um tempo os meninos cresceram. Eu, nos seus encalços, meus ídolos voadores. Caititu era como os beija flores, plainava no ar à espera da bola e quando ela lhe chegava ele girava no ar, um voo estrambótico, o dono do tempo, da bola, jogador e espaço, amálgama, isso era o gol, a síntese.

Paturi dominava os prados secos dos baixios. Era como o vento, não daquelas brisas modorrentas, mas o próprio Aracati em reboliço, cheio de curvas e linhas entrelaçadas, a não ser para as suas pernas curtas e fortes que dançavam na frente do adversário como passarinho em acasalamento. Quem haveria de segurar o vento Aracati em um surto de imaginação?

Os aviões e os insetos já nasceram com o design de voar; pensamentos são terra de ninguém, obra da natureza. Caitutu e Paturi foram além. Eram jogadores quânticos pelo querer próprio e pela afoiteza da genialidade de cada um. Ambos possuíram asas que alternavam a bola e os seus corpos entre a terra firme e o imponderável céu.

Quando jogavam pelo mesmo time era como se fossem dois em um, formatavam um redemoinho na área do adversário, suprema forma de enganar os beques que ficavam caídos no chão vendo estrelinhas e outros seres imaginários.

No céu, o voo, cambalhotas espetaculares, cabeçadas indefensáveis. Em terra, terra suprimida pelo drible da vaca louca, terra estrábica pelas passadas rápidas, movimentações inesperadas, o passe certeiro, um encanto de se ver, se é que se podia ver a engenhosidade da trama que confabula o resultado certeiro daquela forma de jogar: gooooooooooooooool!

Velozes quanto as piabas que pegavam nos riachos para encher o bucho; maleáveis como os cipós de macambira; ouriçados como os bichos do mato; leves, soltos, sinuosos como esses córregos magrinhos que ninguém advinha para que lado eles penderão.

Caititu era côncavo; Paturi, convexo, reis do futebol.

De quem esses deuses ganharam as asas? Da terra e do tempo em que nasceram. Essa é a injustiça dos seus destinos. No mais, Pelé e Garrinha tinham muito o que aprender com os dois meninos do alto sertão da Paraíba: um nascido no Sítio Saco dos Arabes; o outro, no povoado de Areias, dois gênios, dois passarinhos, asas de Ícaro, pés plantados na terra seca, perdidos nos confins do mundo.

@professor Chico Leite

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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