João Pessoa, 10 de agosto de 2024 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Domingo é o dia dos pais. Meu pai, Seu Vicente, era indomável, mas hoje eu quero contar um pouco de Maria do Carmo. Que mulher!
Estaou relendo a biografia “Travessia – A Vida de Milton Nascimento”, de Maria Dolores, e fui surpeendido outra vez pela história de dona Carminha, que nasceu em 1918. Mulher, negra e pobre. Deram a ela o nome Maria do Carmo, mas todo mundo chamava de Carminha. Ela mal terminou o ensino básico, se mandou de Minas Gerais para o Rio de Janeiro. É o sonho de muita gente.
Todo mundo gostava da voz dela. Tinha olhos grandes castanhos. Carminha adorava cantar Ataulfo Alves. Mas cantar era só um sonho, a vida e a fome não a deixavam ser cantora. Quem foi Carminha?
Em 1939, aos 21 anos, Carminha lavava roupas todos os dias e pilotava o fogão nas casas dos grã-finos cariocas. Ela não fazia corpo mole. Conseguiu um trabalho de “carteira assinada”, ( grande m) na Rua Conde de Bomfim, na Tijuca. Trabalhava na pensão de Dona Augusta de Jesus Pitta. Jesus Pitta?
No início dos anos 40, Carminha esperava o bonde na frente da pensão e numa dessas conheceu um homem chamado João, motorista do bonde da linha Tijuca. Se apaixonaram perdidamente.
Os dois se viam e se amavam todos os dias, após o trabalho. Carminha ficou grávida e João, um filho da puta, não queria casar com ela. Mas, casaram-se!
Carminha botou quente no machismo da época.
Grávida, ela seguiu trabalhando na pensão de Dona Augusta e ali mesmo pariu seu bebê. É tão bela essa verdade, de que o bebê é da mãe e é mesmo.
Nasceu o menino de Carminha. Todos na pensão adoravam a criança.
Carminha e Dona Augusta se desentenderam feio. Carminha se demitiu do emprego. Coragem.
Foi embora morar com a família de João safadão, na favela na Baixada de São Cristóvão. Com saudades da criança, Dona Augusta foi visitar Carminha.
Uma história bonita e triste.
Tem spoiler bom e eu vou dar. Chegando na maloca, Dona Augusta viu uma Carminha depauperada e uma criança mal nutrida. Pediu que ela voltasse com seu filho para Pensão. Ela não quis, orgulhosa, a Carminha
Aos 25 anos, Carminha estava tuberculosa. E começou a enlouquecer achando que seu menino ia se contagiar.
Por amor, ela abriu mão do filho, pediu que o menino fosse levado de volta para a pensão. Augusta levou, cuidaria dele até Carminha melhorar, mas Carminha não melhorou – morreu aos 26 anos.
João, o pai, nunca mais procurou o filho..
A filha de Dona Augusta, Lília Silva Campos, estudante de piano, aos 22 anos, disse para toda a família que queria adotar o menino. Tinha se apaixonado por ele.
Pediu autorização para a avó, mãe de Carminha, pediu ao pai, o João. Aí Lília virou mãe.
A criança amada foi morar com ela na cidade mineira de Três Pontas. Cresceu vendo a mãe adotiva tocar piano.
Ele tem os olhos lindos da mãe, Maria do Carmo. Tomou o gosto pela música. Começou a cantar em bailes.
O filho da Carminha é Milton Nascimento, o Bituca.
A canção Maria, Maria, Maria é o som, é a cor, é o suor, é a dose mais forte e lenta, de uma gente que ri quando deve chorar e não vive, apenas aguenta, diz tudo.
Obrigado, Lilia!
Kapetadas
1 – Atletas olímpicos não merecem pagar imposto. Nem eu, que faço salto em altura sobre as dívidas.
2- Não sei se todo mundo sabe: o prazo pra ficar de bem com a vida é só durante a vida.
3 – Som na caixa – “Tudo são trechos que escuto, vem dela, pois minha mãe é minha voz”, Caetano Veloso
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TURISMO - 19/12/2024