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Poeta, escritor e professor da UFPB. Membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Carlos D. Fernandes reeditado

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publicado em 14/08/2024 ás 07h00
atualizado em 13/08/2024 ás 15h20

De 1913 a 1924, Carlos D. Fernandes pontificou, como liderança cultural, na Paraíba. A convite do Presidente de Província, Castro Pinto, seu conterrâneo de Mamanguape, veio dirigir o jornal A União, no qual implementou relevantes reformas gráficas e imprimiu uma linha editorial aberta, sobretudo, às manifestações culturais e literárias.

Jornalista, polemista, polígrafo, escritor, poeta, ensaísta, defensor ousado de causas, como a dos animais, dos direitos da mulher, do vegetarianismo, do nudismo e outras mais, Carlos D. Fernandes aglutinou, em torno de si, uma plêiade de plumitivos e intelectuais, como que constituindo, à época, uma idade de renovação e renascença das letras na Paraíba.

Osias Gomes, por exemplo, em capítulo especial de Baruque, refere-se às circunstâncias de sua vívida presença e do seu irrequieto pontificado, como “uma época carolíngia”, aludindo aos períodos napoleônico, na França, e vitoriano, na Inglaterra.

Este filho de Mamanguape esteve em Manaus, em Belém, no Rio de Janeiro, em Recife e até em outros países, destacando-se, sempre, como escritor, poeta e articulista atento ao cotidiano da vida cultural e política. Integrou o movimento simbolista e foi amigo pessoal de Cruz e Souza. Fundou e dirigiu as revistas Rosa Cruz e Meridional, selando, assim, seu nome em vários compêndios antológicos e em diversos manuais de história da literatura. Dele diz Gilberto Amado, em sugestivo perfil inserto em Minha formação no Recife: “{…} figura excepcional, estranha, absurda mesmo, que exibia aos meus olhos, na coloração geral de Pernambuco, um matiz berrante, inesperado”.

Pois bem. É esta figura excepcional, quer como exemplar humano dentro de suas idiossincrasias, quer como intelectual atuante, crítico mordaz e agudo dos fenômenos culturais, que O CEJUS – Centro de Estudos Jurídicos e Sociais, tendo à frente o jurista e bibliófilo José Fernandes de Andrade, vem de publicar, em edição fac-similar, conforme imperativos de suas metas editoriais, este Talco e avelórios: crônicas e conferências, de 1915, prestando, sem dúvida, um indiscutível serviço à cena cultural paraibana da atualidade, sobretudo, se considerarmos a possibilidade das novas gerações estudiosas desenvolverem pesquisas em torno dos ilustres nomes e valores intelectuais que fundamentam a história cultural do estado.

Neste Talco e avelórios, temos a pena do polígrafo assestada em múltiplas direções temáticas. O direito, a religião, a pátria, a Europa, o cinema, a equitação, o mar, os banhos de mar, a proteção aos animais, os perfis de figuras como Joaquim Nabuco, Gabrielle D`Annunzio, Antônio Silvino, Luiz Delphino e Alexandre Herculano, assim como uma série de textos que sumariam as suas “Impressões de Filipeia”, a corporificar, em síntese, a visão e o gosto singulares do ensaísta paraibano.

Sente-se, aqui, a diversidade de interesses que mobilizam o olhar do cronista ou do conferencista, atento a seus motivos dentro de uma perspectiva crítica, respaldada, por sua vez, num saber humanístico de sabor greco-latino, associado, ainda, ao acervo filosófico, jurídico e literário que se mesclam em sua robusta formação cognitiva.

Mesmo que se possa discordar deste ou daquele ponto de vista, não ratificar esta ou aquela ideia, este ou aquele conceito, não se pode, contudo, negar o sólido lastro de suas argumentações, e, menos ainda, a fluência e a exuberância estilísticas com que Carlos D. Fernandes conduz o movimento expressivo de sua escrita.

Conteúdo e forma se equilibram nos seus voos especulativos, à matéria abordada quase sempre serve a excelência da elocução, à pluralidade de assuntos corresponde a uniformidade de um rico e precioso vocabulário, a demonstrar que, por trás do prosador, na dicção do conferencista, na voz do orador, no exercício do ensaísta, existe como que o poeta, disciplinando, com a intimidade técnica diante das palavras, a construção da frase, o ritmo e a cadência dos parágrafos e dos períodos.

Tanto nas abordagens mais leves e mais ligeiras no tom e na perspectiva, como “Concurso de lógica”, “O mar” e “Os zoilos”,  quanto nas reflexões mais densas e alongadas, a exemplo, em particular, de “Mundo, diabo e carne”, “Impressões da Europa” e “Impressões de Filipeia”, fala e pensa o escritor com conhecimento de causa, com inteiro domínio dos seus sítios temáticos, num ensaio, ainda que indeciso e embrionário, de uma postura interdisciplinar e transversal que se exige do pensamento contemporâneo.

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