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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Três Kapetas de D. Antonieta 

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publicado em 18/08/2024 ás 09h01

Era uma vez três kapetas, filhos de Seu Vicente e Dona Antonieta. Nada sabiam da futura linguagem virtual e da cultura inútil dos memes. Adoro nomes Baba, Pretim e o Padim Fuenga.

De tempo em tempos, nossa mãe nos levava – a trinca, eu os gêmeos Osmar e Osman para fazer fotografias em preto e branco, nunca ¾. Parecíamos estátuas de sal. Não sei o nome do fotografo, mas lembro das fotografias.

Sentia-me puxado para dentro das imagens e, consoante a época, cada cena, não era um flash. Aquilo de minha mãe nos levar para tirar os retratos gerava em mim sensações destinas, afinal, não morávamos na distopia. Eu gostava, não do resultado – é que algumas vezes de propósito, um dia antes, minha mãe me levava para cortar o cabelo estilo militar, me deixando mais feio.

Essas fotografias nunca foram para porta-retratos. Não me lembro de ter essa imagem em minha mente. As fotografias na parede da sala da nossa casa eram pintadas, não sei se dos meus avós, que nunca os conheci, nem de um lado, nem do outro.

As fotos do início da nossa vida nunca existiram. Não se tinha esse hábito de fazer uma foto na hora que o bebê nasce, essas que são feitas hoje e, imediatamente postadas nas redes sociais. Um dia a conta chega.

Na verdade, fui um exímio fotografo e só vim ter uma Rolleiflex quando já morava na Rua Santo Elias. O exímio aí, são as fotos que ficaram na mente: o açude sangrando, as cadeiras na calçada, Tia Sinhá dando pitacos na calçada da bodega de Luiz “Cassaco”, os banhos na barraginha sangrando, a aparição de Sadoia de biquíni, a fruta Gogóia, o Jatobá Clube, meu pai, e os inúmeros velórios que minha me arrastava mesmo sabendo que eu já tinha morrido com  medo das almas de João Cabral de Melo.

Minha mãe era solidária, eu solitário. Ela tinha uma amiga com câncer, que lhe comia a face, provocando uma sensação de horror, tipo The Walking Dead  – miséria, a pior doença como se fosse uma imagem contagiosa.

Nos dias de feira, às segundas, minha mãe saia pelas barracas de verduras, frutas, secos & molhados e então mostrava o monóculo com a foto da sua amiga em estado terminal e pedia dinheiro para ajudar na compra de alimentos e remédios. Minha mãe era a própria capacidade de esperança, mesmo que toda a esperança me faça chorar.

Nas fotos antigas dela, juntinho do fogão de alvenaria, um sorriso de inocência e pureza.

Sua empatia, e ela jamais soube o significado dessa palavra, porque o seu idioma era galinha, café, panelas, bolo, hora do almoço, a janta, como se segue à risca o método de Paulo Freire, mas sua empatia era uma revelação fotográfica, que poucos possuem.

Naquelas ruas amplas de paralelepípedos – um oásis, os pés de Algaroba chorando (a árvore solte gotículas) a Igreja São José e ainda assim, uma sensação de fim do mundo. Eu guardo comigo a lembrança do que eu era, nas tais fotografias, de uma vida sem pressa, sem dores.

Os Kapetas aprontavam.  Somos fotografias em fuga, do tempo em que as imagens não eram coloridas.

Kapetadas

1 – AMOR. Tempero que a natureza usa para disfarçar o gosto da continuidade da espécie.

2 – Que o amor seja infinito, enquanto durar a bateria do celular.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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