João Pessoa, 20 de agosto de 2024 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
A vida é cheia de surpresas e a cada momento elas nos chegam e nos tomam de alegria ou de tristeza. Temos na família um grupo “Primos Rodriguez Martinez”. Este dispositivo oferecido pela cibercultura é por demais maravilhoso pois nos põe em contato com pessoas queridas que estão distantes no aqui e agora, de modo que nos faz aproximar dos entes que amamos sem mais delongas e protocolos a pedir para entrar ou conversar, e a coisa acontece de maneira espontânea, rápida. Mais que no mundo físico, o virtual encurta as distâncias e o tempo.
De maio para cá perdemos cinco pessoas da família: Ruthe, Leonor, Cecelo, Pepinho, Netinho e na semana passada nossa querida Mosinha. Todos muitos queridos. Época de muitas perdas e de muito sofrimento. Todos mereciam que eu escrevesse sobre eles. Cada um tem sua história, mas foi com Netinho que ultimamente nós interagimos mais, estivemos em seus shows, falava às vezes pelo WhatsApp e poucas vezes pelo telefone, mas nessas ocasiões fazia questão de dizer: “ minha amada tia Regina”, era assim que me tratava.
Mantive com Netinho troca de mensagens e pude sentir o quanto ele era inteligente e sensível com relação as coisas da natureza e da dimensão humana. Demonstrou esse seu traço por ocasião dos comentários que fazia sobre minhas crônicas no portal, emitindo reflexões com profundidade de sentimento. Com sensibilidade indicava e tirava lições sobre a vida e fazia prospecções futuras que enriqueciam substanciosa mente o conteúdo abordado. A exemplo do que escreveu na crônica sobre Bráulio Lins. “Realmente os desígnios de Deus são inquestionáveis e intransponíveis. A dor dos que ficam é sempre grande e não há remédio que possa diminuí-la ou amenizá-la. Apenas o tempo se encarrega de amenizar ou ressignificar em nós essa falta e essa saudade. Porém, através da literatura e de outras artes, é possível imortalizar a memória e ações dos nossos entes queridos que passaram para o lado do espírito. Como no caso dessa lindíssima narrativa que traçastes, nos enchendo de emoções e deixando para sempre o legado de Bráulio Lins”.
Com relação a problemática da educação ele assim se pronunciou: “Realmente vivemos tempos delicados no processo educacional. Uma desvalorização ontológica dos profissionais da educação em diferentes áreas do conhecimento humano. Isto em todos os níveis nos deixa deveras triste, pois infelizmente esse descaso, descuido e desrespeito com os professores atuais, só vão acarretar numa população mais pobre intelectualmente, e de fácil manipulação ideológica e conceitual. Fica a esperança de que esse quadro seja revertido a tempo. Para que não tenhamos, em 20, 30, 50 anos, uma população ainda mais alienada e desconectada com os valores fundamentais para o bem de uma sociedade”.
Em outra crônica falando da vida do taxista Pedro assim se expressou: “Boa noite a esse importante portal, disseminador de conhecimentos de diferentes áreas. Ao ler esta maravilhosa crônica, me vieram as lágrimas. Me senti como se estivesse participando da linda história. E que exemplo de ética, honestidade, hombridade e moral ilibada, deste taxista, o Pedro. Como os acontecimentos da vida são interligados, e como diziam tantos mestres da história da humanidade: “uma boa ação, ética e sincera, gera uma causalidade de acontecimentos bondosos para quem executou a ação e para semelhantes próximos “. Por favor, escritora Regina, não nos deixe muito tempo sem os seus textos. Eles nos alimentam a alma, e no meu caso, o espírito filosófico investigativo e a criatividade na arte. Obrigado. Boa noite minha tia amada. Que texto forte e profundo. Sabes que sou muito sensível e acabei chorando de felicidade durante a leitura. Deixei no Portal minha observação. Te amo’.
“Belíssimo texto. Mostrando-nos que a força de vontade, perseverança, dedicação e estudos disciplinados, podem levar até mesmo pessoas de famílias mais humildes e do campo, a um crescimento intelectual, profissional, e com ele a uma ascensão social e financeira. Que esse texto sirva de estímulo às novas gerações, que muitas vezes, ao primeiro não, desistem de seguirem determinada profissão ou 1º emprego. Obrigado mais uma vez por nos brindar com um traçado literário tão empolgante e envolvente. Que nos fazem ficar vidrados no texto do início ao fim”.
Através dos diversos comentários que fazia e foram inúmeros, Netinho ia desnudando-se e descortinando o que havia em sua alma, escrevendo e dando extravasamento ao que escondia de mais secreto em seu íntimo e assim ia me permitindo conhecê-lo mais de perto. Ao falar comigo tecia análise sobre a realidade, mas também buscava florear e encontrar sempre razões para os acontecimentos, contemporizando os fenômenos com sua criatividade imaginativa. Dava-me entender que nada estava acabado, mas em processo. Os fatos muitas vezes não podem ser explicados, eles eram revelados, mas é no amanhã que a resposta seria dada. Ia levando a vida dentro do credo de como ela deveria ser vivida. Não é à toa que assinava os seus textos, dessa forma: “Serafim Martinez – músico, filósofo e arte-educador. Salvador – BA”.
Imaginava, vou escrever uma crônica para meu sobrinho, mas o coração dizia ainda não está no tempo. E eu ficava, como ainda fico dialogando comigo mesmo. Não me senti encorajada ainda para falar com meu irmão e cunhada depois da sua morte, ocorrida no dia 01 deste mês. Só agora em que o ambiente de minha alma se encontra mais calmo, pude debruçar-me na leitura das mensagens que eram postas no WhatsApp. Não as lia. Evitava. O sofrimento vivido por Netinho foi sentido por toda família. No dia 25 de julho próximo passado Lucinha, minha cunhada, emocionada comunicou ao grupo que seu filho Serafim Rodriguez Martinez Neto (Netinho), meu sobrinho, estava sendo hospitalizado com uma forte dispneia e os médicos de início achavam que era uma infecção respiratória. Havia sido descoberto um câncer, anteriormente, e os tumores já comprometiam as vias respiratórias, agravado por um enfisema pulmonar. Era fumante inveterado. Aí começa uma via crúcis de um jovem com toda pujança e alegria de viver. Tocava e cantava numa banda que mantinha com os amigos, fazia shows e participava de festivais. Vivia a vida intensamente. Amava e era amado por todos. Um bon vivant, de bem com a vida. Para ele não havia tempo ruim. Era graduado em filosofia pela UFBA e professor de música para crianças com quem tinha muita facilidade de comunicação e simpatia. Com a situação da doença de que foi acometido teve que dar uma parada pois não conseguia seguir no ritmo que enfrentava.
No dia 01 de julho, justo um mês antes de sua morte ele como estivesse despedindo-se posta esse áudio que eu vou repassar aqui ouvindo pela primeira vez. Assim se expressou: “Saudações musicais e filosóficas. Venho aqui através desse vídeo trazer informações para vocês de meu quadro. E vou tentar ser o mais sucinto e direto. Para mim é difícil pois filósofo e músico gosta muito de poetizar e florear as coisas. Em resumo: Estou com câncer já com estado em metástase. Descobrimos tarde porque fui sempre uma pessoa muito saudável e não sentia nada. De janeiro para cá comecei a apresentar tosse que foi evoluindo, aí fui averiguar e foi constatado através da primeira tomografia dois tumores um de dois e outro de quatro centímetros na região para traqueal e superior direita. Não estou podendo fazer o tratamento porque se desconhece qual é o tumor primário porque tenho identificado dois, mas não se sabe qual foi o primário. Estou fazendo uma série de exames para ver se detectam qual é ou onde é o tumor primário. Não se sabe porque eu já tenho dois tumores. Agora, já fiz tomografias da face, do crânio, do pescoço e do abdome total e outros, para que se possa descobrir onde está o primário. Estão esperando encontrá-lo para que eu possa me submeter ao tratamento. Estou no aguardo. Este foi o primeiro assunto”.
E continuou: “O segundo assunto quero agradecer de coração a todos vocês que me mandaram energias positivas e mensagens. Eu queria solicitar que não me mandassem mais nada porque tenho recebido 20 a 30 mensagens com as mesmas frases: Como você está? Melhorou? Então fica difícil estar explicando, eu teria que mandar um áudio assim como esse para cada pessoa, porque são pessoas e momentos diferentes. Fica difícil porque eu estou com muita dificuldade para falar, de andar, de fazer as necessidades básicas, então tudo é muito cansativo. Perdi 22 quilos nestes dois meses. São dores em todas as partes do corpo físico. Do cabelo ao dedo do pé, em todos as partes do corpo os órgãos internos e externos, são muitas dores e muito sofrimento. Nesse momento, desejo ficar em silêncio e a introspecção ficar comigo mesmo. Ter um pouco de paz. Estou com meus familiares, eles estão me apoiando e auxiliando na maneira como eles podem. Apesar destas dores físicas, este grande sofrimento, eu estou emocionalmente e espiritualmente eu estou bem. Sei que isto ocorre no corpo físico e a mente pega informação do corpo físico e leva para a mente causando este sofrimento, mas nós não somos nem mente e nem corpo nós somos um espirito imortal uma energia imutável. Não tenho medo de viver e nem de morrer, vou lutar pelo corpo físico, pela cura, mas se tiver que ir para outras orbis eu vou feliz, eu vou tranquilo, estou num estágio gigantesco de desapego com tudo e com todos”.
Finalizando: “Outro assunto é que as pessoas querem me ver, mas eu não posso ver ninguém nesse momento. A melhor coisa que vocês podem fazer é oração, dizer que me amam, enviar amor. Cada um com sua religião. Não é? Nesse momento quero estar em silêncio, paz interior, energias positivas, sintonias de cura e de elevação. Estou muito tranquilo, como já falei para vocês e mais uma vez agradeço de coração as mensagens de todos e beijo no coração. ”
Realmente, nesse vídeo Netinho despediu-se de todos, mostrou-se guerreiro e sem medo de enfrentar a morte como ele mesmo afirmou. Com todo o sofrimento conseguiu em seu final deixar uma lição de sublimação da dor, atribuindo razões e explicando que a dor dizia respeito apenas ao corpo físico e a mente. Seria muito mais que isso – um espirito imortal com energia imutável. E ele se foi convicto disso e essa certeza lhe dava uma tranquilidade e paz, razão porque desejava ficar em silêncio para estabelecer um diálogo interior consigo mesmo e com Deus, linguagem que só a ele pertencia e ninguém devia intrometer-se; era ele com Deus. E assim se foi meu sobrinho para o etéreo, nos dando essa lição de vida e resiliência.
Esta é a homenagem que lhe faço, sua amada tia Regina.
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TURISMO - 19/12/2024