João Pessoa, 22 de agosto de 2024 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
A crendice popular nordestina afirmava que se um familiar tivesse alguma grávida na família deveria fazer a simpatia do coração da galinha para saber através dessa adivinhação qual seria o sexo da criança que chegaria em breve ao seio familiar.
Nos interiores nordestinos, onde ainda é muito comum à criação de galinhas de capoeira no quintal de casa, muitas mulheres se davam a oportunidade de sanar a curiosidade de adivinhar qual seria o sexo do (a) futuro (a) filho (a), sobrinho (a) e neto (a) fazendo a receita de guisar a galinha de capoeira com os miúdos juntos, e , um corte vertical era feito no coração da ave e posto na panela. Quando ficava pronta a comida, era o momento de observar se o coração estava aberto ou fechado. Se estivesse aberto seria menina, se estivesse fechado seria homem. Mas… o comum era dizer: “ vai ser femi” ou “vai ser macho”, porque essas definições de sexo biológico além de predeterminar as cores do enxoval do bebê, já implicava numa definição de papel social que o nascituro deveria desempenhar assim que começasse a andar e falar.
Passando o tempo involuntariamente e inexoravelmente à nossa vontade, e geralmente alheio a nossa percepção, as tradições populares muitas vezes desaparecem ou diminuem suas práticas, dando lugar a outras atividades comportamentais que podem incluir a ciência e a tecnologia, especificamente no caso de saber com antecedência o sexo biológico de uma criança ainda no ventre de sua mãe, assim como antecipar diagnósticos de deficiências e realizar procedimentos cirúrgicos intrauterinos.
E por não parar, o tempo é dinâmico e nunca estático. Tudo muda, se modifica o tempo todo. No lugar da adivinhação do coração de galinha, a ultrassonografia. E o chá de bebê, ao chá de revelação, que das mais variadas formas revelam através das cores rosa e azul se a criança vai nascer “macho” ou “femi”, menino ou menina. E todos os desdobramentos com os preparativos para essa chegada estão em torno das culturais colorações rosa e azul, como uma espécie de regra inviolável que precisa ser cumprida para sempre.
Depois da chegada, o acolhimento (na maioria dos seres humanos, ainda bem) em seguida o desenvolvimento que inclui a educação escolar, a carreira profissional, as demandas afetivas de cada década de vida, e etc, etc, etc.
Mas, a grande, a esmagadora maioria, esquece da partida. Esquece que não está para ficar, que veio para passar: meses, anos. Alguns mais anos, outros menos, mas ninguém está para ficar. Provavelmente porque o sistema econômico que somos submetidos a viver nos impõe um modo de vida da produção, e essa produção ilusiona a realidade, como se estivéssemos diante do espelho mágico da Rainha Má do Conto A Branca de Neve, o qual sempre dizia o que a rainha queria ouvir, e quando discordou dela a paz desapareceu do reino.
Somos condicionados e conduzidos a criar uma falsa ideia da realidade, e dessa maneira passamos a rejeitar qualquer estado físico que não seja colaborador da produção econômica, como a velhice, a doença e principalmente a morte. Esta última é o maior monstro que assusta a humanidade desde os primórdios. Embora haja culturas no mundo em que lidam naturalmente com essa inevitável condição humana e que nos torna humanos no sentido mais literal da palavra Húmus ou humo (do termo latino humus) é a matéria orgânica depositada no solo, resultante da decomposição de animais e plantas mortas, folhas e de seus subprodutos ou produzida por minhocas. E daí a derivação da palavra humano que significa em linhas gerais um ser feito da terra, e como cita uma passagem bíblica: Com o suor do teu rosto comerás teu pão até que retornes ao solo, pois dele foste tirado. Pois tu és pó e ao pó retornarás” (Gn 3,17-19).
Mesmo que tenhamos a compreensão que a morte é inerente à vida, e que a vida não se separa dela, buscamos viver como se nunca pudéssemos morrer, e como se nunca fôssemos partir. A sociedade se prepara com alegria as chegadas mas ainda não desenvolveu a aceitação da despedida, da partida da casa que tanto custou horas de vida, do casamento, do trabalho, dos familiares e até mesmo das insatisfações que nos fazem tão humanos no dia a dia.
A cultura do existir para sempre, e jamais ser esquecido move muitas pessoas no mundo real e principalmente no fantástico mundo virtual. Há explicitamente exposto nas publicações das redes sociais o desejo (in) consciente de se eternizar na memória dos seus seguidores, sempre com sorrisos facetados, corpos esteticamente saudáveis e sensuais, família unida e bem sucedida, preferencialmente em viagens a lugares paradisíacos.
Nossos dias têm sido os mais públicos possíveis na história da humanidade. No sentido de exposição da vida pessoal, no sentido de exibir, e até de ostentar o que se possui, o que se come, o que faz, para onde viaja, que lugar frequenta, o que se compra e com quem se relaciona. Vive-se muito mais para o outro do que para si mesmo e esquece que a despedida da vida pode acontecer a qualquer instante ou nem ocorra, uma vez que a maioria está tão preocupada em viver se mostrando que não tem tempo para pensar que cada dia não é um dia a mais, é um dia a menos.
As partidas são inevitáveis. Embora vivamos como senão fôssemos partir, nos cercando de ilusões e pontes que nos distanciam da realidade, uma hora dessas ou um dia desses a nossa partida acontecerá. Nossos acumulados materiais ficarão para trás nessa viagem porque geram pesos e multas, enquanto os acumulados morais serão indispensáveis na leveza dessa passagem.
Quem acumulou o que não se toca, parte com mais rapidez e segurança.
E quem de forma contrária agiu, provavelmente partirá saudoso do bem que não acumulou: o amor.
“E se for para gastar, que seja gastando tempo para acumular boas recordações, boas ações e bons sentimentos”.
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TURISMO - 19/12/2024