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O conhecimento é um bem incomensurável: quem sabe mais pode mais. Torna-se um poder que dá a pessoa que o possui competência para decidir, escolher, julgar e buscar o melhor para si. Ao contrário, o ignorante é aquela pessoa manipulada e influenciada pelas ideias dos outros; fica à mercê das decisões de quem está ao seu entorno. Não tem vontade própria e vira uma marionete. Maria vai com as outras.
Ao dizer isto constata-se que o conhecimento é a ferramenta que conduz o homem à liberdade plena e a sua independência em todos os sentidos: pessoal, profissional e social. Dá-lhe o seu “status” no meio em que vive e na civilização a que pertence. Ao sentir a consequência de sua falta, isto devido a fatores condicionantes, determinantes, conjunturais e estruturais, muitas vezes colocam o homem à margem e excluído da sociedade. Não há aqui o propósito de discutir o constructo da marginalidade. O conhecimento o faz despertar a consciência e o motiva a buscá-lo e procurá-lo a todo custo. Porém, quando já se encontra em plena maturidade, percebe o prejuízo sofrido por sua ausência o que causa o bloqueio dos sonhos e das aspirações para voar mais alto e mais longe.
Nesse entendimento, o adulto já se encontra engajado no modo de produção sem perspectiva de crescimento, limitado a uma condição “sine qua non” de sobrevivência. Se quiser mudar a performance terá que correr para suprir a defasagem existente em sua formação: habilitar-se para outras funções através do estudo. É nesse contexto que se integra o ensino noturno.
O ensino noturno é uma tradição, vem dos primórdios, remonta do Brasil Império, com a intensão de permitir o acesso a jovens e adultos trabalhadores. Pelo que se tem notícia, em 1854 foi criada a primeira escola do gênero objetivando alfabetizar trabalhadores. Daí por diante foram emitidas várias leis para regulamentar esta modalidade de ensino. Em 1909, a Lei 1.184 estabeleceu a criação de 50 escolas noturnas em São Paulo, para jovens operários. Foi criada, em 1914, a primeira escola secundária pública noturna em São Paulo.
Hoje, a problemática do ensino médio e superior noturno assume a narrativa como instrumento de inclusão social. Pela lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) –, a educação nacional está organizada em: educação básica (educação- infantil), ensino fundamental, ensino médio e educação superior, onde estão inclusos cursos de graduação, sequenciais, de extensão e de pós-graduação… Esta mesma lei, em seu art. 4º, inciso VI, afirma que um dos deveres do Estado é garantir a educação escolar pública e a “oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando”. Isso com relação ao ensino médio. Quanto ao superior, estabelece no capítulo específico que as instituições deverão manter os cursos de graduação no período noturno nos mesmos padrões de qualidade dos cursos do período diurno, “sendo obrigatória a oferta noturna nas instituições públicas” (art. 47, §4º).
Observa-se que as camadas pobre e média da população, impulsionadas pela situação econômica, engajam-se nos meios de produção como condição de sobrevivência ou para ajudar na assistência da família, e o ensino noturno surge como uma opção. Isto transparece nos dados do IBGE que indicam que 61,75% do total de matrículas da graduação diz respeito ao ensino noturno. Com predominância no ensino privado. O indivíduo vislumbra obter um certificado ou diploma que ateste uma formação profissional para ascender no mercado de trabalho com a consequente melhoria de vida. Ainda podíamos citar a situação agravante da problemática educacional – o analfabetismo, que tem uma taxa de 7% segundo senso de 2022, isto entre pessoais com 15 anos ou mais, o que significa dizer que 11,4 milhões de pessoas no Brasil são analfabetas.
Abordei este assunto porque fiquei preocupada com uma amiga professora universitária do Curso de Graduação em Educação Física, que leciona à noite em duas faculdades. Conversando comigo mostrou-se desolada e triste em sua atividade como docente. Constato que é uma mestra comprometida com o aprendizado do aluno, cumpridora de seus deveres, elabora o planejamento didático pedagógico, estabelece os procedimentos metodológicos para as aulas com muito esmero e, dizia ela, que apesar do esforço que desprende, para seus alunos na maioria trabalhadores o estudo noturno corresponde ao terceiro horário de sua jornada. Ao adentrarem na sala de aula, chegam enfadados, desmotivados e exaustos fisicamente pelo trabalho que os exauriu e corroeu a força, o vigor, roubando toda atenção que deveria ser empregada durante as aulas. Então ela falou: “De um lado está o professor que como eu tento de tudo para motivá-los, levo técnicas didáticas de motivação para desperta-lhes o interesse, utilizando áudio visual, quando olho estão dormindo. Constato: “é como estivesse enxugando gelo”. Algo que tanto constrange o professor como o aluno. Os alunos marcam presença que para eles é o mais importante, mesmo que não aprendam nada ou muito pouco, e o docente que se defronta com essa situação. Diante disso sente-se impotente para resolvê-la. Continua em sua prática, para manter sua sobrevivência, e vai levando, cede aos alunos, relaxa ao fazer o menos que possa para forçar a aprendizagem. É como se fizesse o pacto da mediocridade – aluno faz que aprende e professor faz que ensina e aí todos ficam numa boa. Agora a professora minha amiga, que fica tolhida diante dos fatos, até pensa abandonar o magistério. Como? Não tem para onde ir e adquirir outra renda! Durante toda a vida exerceu a profissão docente.
O que se constata nesse momento é que o ensino continua como foi há décadas quando a realidade era outra, mas, mesmo assim, já se apresentava deficitário, pois como docente vivi experiência desse déficit. Era professora de prática de ensino na área de educação superior, e num semestre me escalaram-me para que acompanhasse a prática de ensino, à noite, numa escola de formação de professores do primeiro grau. E fui acompanhar as aulas que eram de segunda a sexta em turmas diferentes. Em estudos eu tinha consciência da problemática do ensino noturno, mas ela era pior que eu pensava. Durante o estágio eu e os alunos observávamos o docente dando aulas durante uma semana, porque já na outra o estagiário assumiria a classe. E assim acontecia. O colégio diminuiu a carga horária para o ensino da noite. A aula, que deveria ser de 50 minutos foi reduzida para 45 e o que se constatava: a professora fazia chamada, ficava falando para conter e integrar a atenção dos alunos na aula e quando começava já tinha levado mais 20 minutos. Então, de conteúdo mesmo, resumindo, davam uns de 15 minutos. Eu fiz um relatório para o Departamento recusando-me a continuar com os alunos porque ali não havia condições de aprendizado. O que ocorria no ambiente era o antididático. Formulei um documento que foi levado a plenário do Departamento e o estágio noturno foi substituído por estágio diurno, adaptando-se às necessidades didáticas de alunos e docentes.
Portanto, verifica-se que as narrativas sociais e econômicas das justificativas para criar o ensino noturno e que consta nas leis, são perfeitamente compreensivas, mas o que acontece na realidade, mais do que em outras épocas, não se sustentam já que a invalidade dos procedimentos didático-pedagógicos utilizados torna o ensino defasado, que não se apresenta eficiente nem eficaz. Na Europa e USA o ensino noturno não existe. Com os avanços tecnológicos e a cibercultura este ensino não mais se justifica. Terá que ser completamente transformado e creio que num futuro não muito distante certamente o perfil dele e do professor será outro, para que venha atender às exigências de qualidade do mundo pós-moderno. Os objetivos e a grade curricular serão outros e a política educacional será outra, saindo do discurso e do papel e se comprometendo verdadeiramente com a sociedade a fim de atender a demanda que está a reclamar um ensino voltado para a eficiência e a eficácia, cujo resultado demonstre capacidade e domínio de competência. Este é o meu entendimento.
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TURISMO - 19/12/2024