João Pessoa, 22 de setembro de 2024 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Eu nunca vi Geraldo Vandré no palco e não vou vê-lo, claro. Talvez caminhando na rua, talvez, ou algum seguidor “Caminhando” na sua canção que viralizou, quando não se usava tanto esse verbo no infinitivo.
Nunca o vi na rua, para que alguém apontasse dizendo – lá vai Geraldo Vandré. O Vandré, o complemento do nome artístico eu não sabia, é uma abreviação do sobrenome de seu pai, o médico otorrinolaringologista, José Vandregíselo. Não costumo dizer que sei o que não sei – sempre aprendo.
A escritora Ângela Bezerra em sua privilegiada existência, sua experiência com o saber, entender e ensinar, conheceu Geraldo Vandré quando ele era Geraldo Pedrosa no Liceu Paraibano.
Em 2025, Geraldo Vandré vai completar 90 anos e me parece ser o artista mais longevo que chegou ao Rio de Janeiro – em 1951 – estudou na Universidade do Distrito Federal, quando o Rio era a capital do Brasil. Ah! O Rio!
Antes da música, ele trabalhou no serviço público, na Superintendência Nacional de Abastecimento. Foi militante estudantil, participou do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (UNE). Sim, eu não costumo escrever textos com esses dados, que são valiosos numa reportagem.
No Rio, Vandré conheceu Carlos Lyra, que se tornou seu parceiro em canções como “Quem Quiser Encontrar Amor” gravada por Lyra e por Vandré. O primeiro LP, “Geraldo Vandré” é datado de 1964, com as músicas “Fica Mal com Deus” e “Menino das Laranjas”, entre outras.
O fato de sua canção Caminhando…“Pra não dizer que não falei das flores” ter se tornado uma espécie de hino da resistência ao regime ditatorial vigente no país, todo mundo sabe, – para os mais jovens, essa canção complicou a vida do artista, mas isso está na história. O regime ditatorial me parece, mudou de mãos – a sociedade alternativa, que o diga.
Recebi da professora Ângela Bezerra a fotografia que ilustra a coluna de hoje – (ela ao lado de Geraldo Vandré) numa solenidade na Academia Paraibana de Letras e logo postei na minha página e um seguidor de João Pessoa indagou se ele, o artista “era “bostaminio”
A indagação me pareceu brutal e tal seguidor perguntou, como se visse a imagem de raspão, e dela restasse o ângulo da sua cabeça, pensei nos urubus que não passeiam mais a tarde inteira entre os girassóis e nos seus voos baixos porque o alimento, o ambiente em que se movem é o mesmo que respiram.
Com certeza, e a certeza é a melhor coisa que existe numa amizade, a criatura fez a pergunta a pessoa errada – eu não sei se Vandré é de direita ou de esquerda, sequer se ele ouviu o som da guitarra de Jimi Hendrix.
O Brasil virou um inferno, uma guerra entre pessoas de vários lados. A própria escritora Ângela Bezerra foi veementemente atacada por ter ido conhecer a cenário que se formava na frente do Grupamento de Engenharia na Avenida Epitácio Pessoa, por entenderem que ela era “bolsonarista” – só não atiraram pedras, mas desejaram até a sua morte. Eram seus amigos do século passado. Eram, não são mais.
Esses não são amigos de ninguém, são os que cospem na amizade, comprovada nos gestos mais nobres, por longas décadas…
Eu vejo sempre Ângela de perto e sei da sua importância para a cultura – seus livros não são controversos, são literatura mesmo.
É isso, em 2025 Vandré fará 90 anos e Ângela 83. Eles despontam pelo conhecimento e ambos trazem os saberes construídos ao longa da vida. Ah! Esqueci de falar das turquesas.
Kapetadas
1 – Kant, na “Crítica do Juízo”, diz que o riso é o resultado da “súbita transformação de uma expectativa tensa em nada”. Minha mãe dizia que quem ri por último, ri muito, ri melhor.
2 – Som na caixa – “Fica mal com Deus quem não sabe dar, fica mal comigo, quem não sabe amar”, de Vandré.
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OPINIÃO - 22/11/2024