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ESPAÇO K

Professora Alcione Lucena, aprendendo para aquecer e se multiplicar

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publicado em 22/09/2024 ás 11h43

Kubitschek Pinheiro

 Tudo que for dito aqui é só o rascunho da vida e obra de Alcione Lucena de Albertim, professora de Literatura Clássica, de Grego Antigo e de Latim do Curso de Letras Clássicas da Universidade Federal da Paraíba. Ela é uma aprendiz que estuda para aquecer o cérebro, e transmitir para seus alunos.

Alcione faz do estudar, seu cotidiano. Sentindo a necessidade de expandir o conhecimento, que ela tem, só para buscar mais, ela foi realizar um Pós-Doutorado na Universidade de Coimbra, Portugal, mais precisamente, no Instituto de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras, sob a supervisão do professor Delfim Ferreira Leão. Levou consigo o manuseio da ideia e o marido, o escritor Milton Marques. No amor, as cabeças também se casam.

O trabalho realizado por Alcione consistiu em vasta tradução, da Língua Grega para a Língua Portuguesa, dos Mimos de Herodas, autor do século III a.C., período helenístico da Literatura Grega. São pequenas peças dramáticas de teor cômico, direcionadas a um público erudito, apesar dos temas serem populares. Ela triunfa, levanta e busca.

Foram oito meses morando em Coimbra, hospedada no Seminário Maior da Sagrada Família, lugar escolhido e acolhida com carinho. Além disso, tratando-se de um edifício do século XVIII, a antiguidade do ambiente favoreceu a realização do trabalho, uma vez que o silêncio e a reclusão estavam presentes no dia-a-dia, sem atrativos externos que pudessem desviar do objetivo que a levou até terra lusitana.

Alcione Lucena é o retrato da disciplina, que estabelece a prioridade da rotina (sem a mesmice), de estudos que facilitam a realização do projeto almejado. Ela conseguiu traduzir oitocentos versos e fazer mais de cem notas explicativas no espaço de cinco meses. O tempo, às vezes, é algo gentil, mas o tempo cobra da gente, aquece, e a confiança de ter o direito de estar ali para aprender e ensinar.

Segundo Alcione, a regra era acordar cedo, tomar o café da manhã, “ou pequeno almoço, como os portugueses chamam, no próprio refeitório do Seminário, ia para o gabinete de trabalho também localizado lá e passava a manhã estudando”.

Nesse cenário, o Seminário Maior da Sagrada Família, o estudo era o trabalho de uma jovem e bela mulher, na prancheta de seu projeto.

“Almoçava quase diariamente no Seminário, cuja cozinha está sob a responsabilidade do chef Licínio Gaspar, especialista na Culinária da Cozinha Tradicional Portuguesa. À tarde, quando não havia nenhum outro compromisso, como passear a pé pela cidade a fim de conhecê-la melhor, também aproveitava para estudar. Sempre que necessário, eu ia à Universidade com o intuito de consultar a Biblioteca do Instituto”, revela.

Foi um período riquíssimo na vida dela, na vida do marido Milton Marques, “cujos benefícios reverberarão tanto no âmbito pessoal como, sobretudo, na minha atuação profissional”

Em entrevista ao Espaço K do MaisPB, Alcione leva a gente para conhecer Coimbra das canções, Coimbra das letras, do mantra sabedoria, e todos saem ganhando.

Espaço K – Você diz que estudar faz parte de seu cotidiano – muitos não chegam à sala de aula – uma pena. Vamos começar por aqui?

Alcione Lucena – É verdade, muitos não chegam à sala de aula. E sem dúvida alguma, é lá que o gosto pelo estudo deve começar a ser desenvolvido, pelo envolvimento com o saber e pelo sentido que dele emane. É preciso que faça algum sentido, a fim de despertar o interesse de quem estuda. Mas sabemos que não é bem assim que ocorre, seja pela própria configuração do ensino nas escolas, seja por outros fatores, como por exemplo o ambiente familiar, que muitas vezes não é propício, em se tratando, neste caso, da criança. Mesmo aqueles que percorrem toda a trajetória escolar, nem sempre adquirem este hábito, estudar, tornando-o parte de sua vida, pois é necessário um meio que estimule a curiosidade, o prazer e a satisfação em aprender. E esses são elementos que levamos ao longo da nossa existência, fazendo parte de nós, o que torna o caminho mais saboroso de ser percorrido.

Espaço K – Você esteve com seu marido, o professor Milton Marques, estudando recentemente na Universidade de Coimbra onde fez o Pós-Doutorado no Instituto de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras, sob a supervisão do professor Delfim Ferreira Leão. Vamos falar dessa experiência?

Alcione Lucena – Ao longo da minha carreira acadêmica, sempre me impeliu o desejo de expandir os meus conhecimentos e as experiências nesse universo. Assim sendo, vivenciar outra cultura, conhecer uma universidade europeia, a Universidade de Coimbra, a primeira de Portugal, fundada em 1290 pelo Rei D. Dinis I, além de poder passar um período apenas estudando e desenvolvendo o trabalho que propus realizar, sem precisar me ocupar com os demais encargos que a profissão de professora universitária exige, foi, sem dúvida, uma experiência única. Possibilitou-me verticalizar o conhecimento em relação a um saber específico das Letras Clássicas, a Comédia Grega, pertencente ao gênero dramático. Como esse universo dos estudos clássicos é muito vasto, uma vez que abrange a Filosofia, a História, a Religião, a Literatura, as Línguas Antigas além da Mitologia, da Astronomia, da Matemática, etc., é preciso sistematizar os estudos e fazer recortes quanto à matéria e aos autores que se quer estudar. Nesse sentido, o Pós-Doutorado é uma oportunidade para fazer isso, o que é enriquecedor tanto no sentido pessoal quanto profissional. E meu marido, o professor Milton Marques, já estando aposentado, pode me acompanhar nessa estada em Portugal, e foi bastante enriquecedora para ele também.

Espaço K – Seu trabalho é focado numa tradução da Língua Grega para a Língua Portuguesa, dos Mimos de Herodas, autor do século III a.C., período helenístico da Literatura Grega. Vamos explicar sobre esse tema tão valioso?

Alcione Lucena  – Herodas é um autor ainda pouco estudado no Brasil, assim como o gênero literário que ele representa, os Mimos, que faz parte da Comédia. Em Língua Portuguesa, tenho conhecimento da tradução apenas de algumas peças dele, pela Profa. Maria Celeste Consolin Dezotti, e de uma dissertação de Mestrado, de Samea Rancovas Ghandour. Sabe-se quase nada a respeito desse autor, apenas há uma menção a seu nome feita pelo poeta Plínio, o Jovem, por volta de 100 a.C. Um amigo, Arrius Antoninus, tendo-lhe enviado alguns poemas escritos em Língua Grega e composto em versos iâmbicos, Plínio lhe diz que estão à altura de Calímaco, outro poeta helenista, ou de Herodas. Fora isso, o que temos dele são oito peças e alguns fragmentos da sua obra. Trata-se de diálogos entre personagens-tipo, representantes das camadas mais populares, prostitutas, escravos, comerciantes, etc., cujo assunto é matéria do dia-a-dia, da vida comezinha, o que dá um ar cômico aos textos. Mas apesar desse enredo, as peças eram direcionadas a um público erudito, tendo em vista a sofisticação das construções literárias.

Espaço K – Como professora de Literatura Clássica, de Grego Antigo e de Latim do Curso de Letras Clássicas da UFPB, nesse novo trabalho seus alunos saem ganhando, não é?

Alcione Lucena – Certamente! Tal trabalho reverberará através de cursos que intento ministrar aos alunos do Curso de Letras Clássicas da UFPB, e a outros que se interessem pelo tema, seja na graduação, seja em cursos de extensão. Isso lhes dará a oportunidade de não apenas conhecer um novo autor, Herodas, cuja obra é mais específica dentro do campo do drama cômico, como também ampliar seus conhecimentos linguísticos, uma vez que o grego em que as peças foram escritas tem muitos elementos da língua falada pela casta popular. Além disso, a intertextualidade com outros gêneros, ditos superiores, sérios, como a épica e a tragédia grega, faz parte da construção literária, o que é próprio das produções do período helenístico, e essa característica possibilitará o exercício da análise literária. Essa mistura do novo com o antigo é típica dessa fase da Literatura Grega.

Espaço K – Fala pra gente da estadia no Seminário Maior da Sagrada Família, de como os brasileiros são recebidos?


Alcione Lucena  – Passamos oito meses hospedados no Seminário Maior e fomos muito bem acolhidos por todos. Posso dizer que fez toda a diferença termos ficado lá, pois comumente essas estadas em outros países tendem a ser solitárias. Nesse sentido, seríamos apenas eu e Milton, na maior parte do tempo, mas lá tínhamos, além dos padres que vivem no Seminário, o pessoal do apoio, o staff, com quem partilhávamos a mesa quase todos os dias, no refeitório, em momentos de grande descontração e amizade. Trouxe-os comigo, no meu coração e nas minhas lembranças. Além disso, as conversas diárias e a convivência nos possibilitaram, também, uma riquíssima vivência linguística, pois apesar de a língua ser a mesma nossa, a Língua Portuguesa, é bem diferente no que tange ao ritmo, a certos usos e a construções próprias do Português de Portugal. Além disso, a experiência de estar hospedada em uma construção do século XVIII foi única, com aqueles corredores imensos, as bibliotecas, os móveis antigos, as capelas, foi uma volta no tempo.

Espaço K – Você conseguiu nesse período em Coimbra traduzir oitocentos versos e fazer mais de cem notas explicativas no espaço de cinco meses. Deve ter sido uma tarefa árdua, né?

Alcione Lucena  – Sim, de fato foi! Árdua, mas prazerosa. Sem dúvida alguma que o isolamento, a reclusão sem atrativos externos e o silêncio proporcionado pelo lugar onde ficamos hospedados contribuíram para a execução do trabalho nesse tempo. E uma vez familiarizada com o estilo do autor, a tradução ocorreu mais rapidamente. As notas, por sua vez, foram mais trabalhosas de fazer, visto que demandaram uma pesquisa mais minuciosa e em fontes diversas nem sempre de fácil acesso. Mas no final, deu tudo certo! Acredito que consegui fazer um bom trabalho, que trará alguma contribuição para os Estudos Clássicos.

Espaço K – Vamos mudar de assunto – falar da amizade criada por você e seu marido Milton, com o chef Licínio Gaspar, especialista na Culinária da Cozinha Tradicional Portuguesa?

Alcione Lucena – Ah, Licínio é uma figura, uma pessoa muito bacana, dedicadíssimo ao que faz. Tornou-se nosso amigo com o passar do tempo, e estamos mantendo contato desde que voltamos. Sinto saudades dele! É um grande chef da Cozinha Tradicional Portuguesa. Inclusive, eu aprendi alguns segredinhos com Licínio. Ele é o responsável pela cozinha do Seminário. Ao longo da semana, cada dia tinha o prato específico, desse modo, tivemos a oportunidade de experimentar vários da culinária portuguesa, os doces também, típicos. Eu sempre digo a Licínio que as suas mãos são divinas, pois ele prepara os pratos divinamente, com aquele toque que apenas um grande chef conhece.

Espaço K – Vamos voltar ao tema – como foi a apresentação do trabalho?

Alcione Lucena  – Tratando-se de um Pós-Doutorado, não há a necessidade de apresentação do trabalho nos moldes de um trabalho acadêmico, como o doutorado, por exemplo. Não é preciso formar uma banca para avaliação do trabalho, tendo em vista que fui na condição de professora investigadora, e não como aluna. O vínculo estabelecido é com o professor supervisor, no caso, Dr. Delfim Leão, tratando-se de um colega que aceita supervisionar seu trabalho, funcionando como um olhar de fora, que lerá o que foi feito e dará sugestões, a partir da experiência que tem, contribuindo assim para a realização de um bom trabalho. Mas como fruto desse rico período em Coimbra, a minha intenção é publicar, em 2025, a tradução da obra de Herodas, que também trará as notas, um índice remissivo e um ensaio analítico sobre os Mimos, necessário pela fecundidade das peças, não tendo sido possível abarcar aspectos importantes das peças nas notas por conta do espaço a que se limitam.

Espaço K – Você queria mesmo ser professora, uma profissão que se dizia antigamente, que não era bem remunerada? 

Alcione Lucena  – Quando criança, na ludicidade infantil, sempre brincava de ser professora, ministrando aulas para as bonecas. Confesso que, ainda imatura, durante a adolescência não sabia muito bem o que queria fazer, qual profissão seguir. Na hora de fazer a inscrição para o vestibular, fiquei em dúvida entre Letras e Psicologia, mas acabei optando por Letras, mais por gostar e estudar a Língua Inglesa do que pela profissão de professora. Encontrei-me de fato durante o Curso de Letras, quando me deparei com o Latim e o Grego. Naquele momento eu consegui me enxergar ensinando aquelas línguas, daí, então, começou de fato a minha trajetória rumo ao magistério. A partir de então, não parei.

Espaço K – Poderia ter feito também o curso de Psicologia…

Alcione Lucena – A Psicologia teve a sua vez. Em 2016, impelida pela Psicanálise, decidi fazer o Curso de Psicologia. Já na sala de aula há muitos anos, inclusive já atuando na Pós-Graduação também há alguns anos, pude sair da minha zona de conforto, e isso só me fez crescer pessoalmente e profissionalmente. Foi uma experiência incrível voltar a ser graduanda. Pude me rever como professora e estudar uma área, que apesar de ter ligação com as Letras, é um universo diferente. Conviver com as meninas de 16, 17 e 18 anos, as colegas da turma, foi muito enriquecedor. Pude ver todo aquele contexto através do olhar de aluna e desse modo pude me enxergar naquele lugar em que os professores estavam. Assim, só fiz ganhar com essa vivência.

Espaço K – E a remuneração de um professor…

Alcione Lucena  – Quanto à remuneração de professor, de fato, não é muito animadora no que tange aos níveis fundamental e médio, o que a meu ver é muito injusto, tendo em vista que ensinar crianças e adolescentes requer uma habilidade específica e uma formação especializada. A Universidade, no entanto, se você percorre toda a carreira acadêmica, oferece um salário que eu chamaria digno. Não vamos ficar ricos com ele, mas é possível ter uma vida confortável.

 

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