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Jornalista, cronista, diácono na Arquidiocese da Paraíba, integra o IHGP, a Academia Cabedelense de Letras e Artes Litorânea, API e União Brasileira de Escritores-Paraíba, tem vários publicados.

Uma crônica de Nathan

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publicado em 25/09/2024 ás 07h00
atualizado em 24/09/2024 ás 16h28
 
Abro espaço para homenagear o jornalista Nathanael Alves (1934-1981), um amigo que é saudade.
Ele abriu as portas das redações dos jornais para mim e muitos jovens que se encantavam com o mundo das notícias e as paisagens das letras.
O texto a seguir, publicado no dia 23 de agosto de 1953, foi um dos primeiros que Nathanael Alves publicou em jornal.
Desde o primeiro momento, se mostrava um cronista de fina sensibilidade, preocupado com a condição humana.
Estava com 19 anos e morava no Abrigo São José, do padre José Coutinho. Neste mês estaria completando noventa anos.
“SANTA FÉ
                   Nathanael Alves
         Quem vai pela estrada, rumo ao norte, deixa Arara atrás e passa em Santa Fé. Três ou quatro casas e um convento velho, é a sua povoação lendária, talvez lendária.
         Situada em uma chã, nunca deixou de deixou de oferecer ao turista, um largo panorama de doce contemplação e uma inspiração, talvez.
         Quando a tarde morre, tocam-na ainda os últimos raios de sol, descobrindo-lhe, parece, a velha monotonia, mascarada de paredes sujas e um pouco de saudade do velho Ibiapina.
         Um cruzeiro à beira da estrada e uma capela dentro do muro, são os marcos da Fé.
         Não polindo a descrição, aí tudo está descrito.
         Velha terra, de velhos tempos, parece uma recordação inacabada, uma muralha romana, erguendo o para o porvir, o derradeiro olhar de tradição e um adeus, talvez aos últimos visitantes.
         Ali, fui conduzido quando infante. Parece que ainda vejo uma velha comigo aos braços e um frasco de leite para mim. Que ainda ouço o meu prato de ingenuidade, ecoando pelo caminho, gravado que ficou para despertar saudades.
         Mas, aí! Que embalo terno, ilusões constantes.
         Tudo se desterrara na bruma fria dos tempos, levando o meu chorar de criança, deixando-me apenas uma eterna desilusão e uma lembrança imorredoura, no coração.
         Hoje, ali somente existe um pouco de beleza e muita melancolia; um pouco de oração e muita piedade! Somente.
         E como poderia existir encanto, se a vaidade arranca-lhe o esplendor das alvoradas, deixando-a na escuridão, se a noite descer?
         Santa Fé parece morta, no meio das árvores esparsas ou agonizantes a bater somente o coração!
         As pegadas de Ibiapina estão cobertas de poeira. Mas, ali seu túmulo parece um grande marco, apontando para o céu o itinerário das almas santas!
         Quem passa em sua frente, fita o Leste e vê a imensidão; fita o Oeste – avista-a solitária; fita o Norte – duas gameleiras; fita o Sul e vê Arara.
         E quem fita tudo, ao mesmo tempo, vê um pedaço de terra e solidão. Uma imagem do passado e uma imaginação do futuro. Eis Santa Fé.
         Quanto talvez, só lhe restarem as ruinas, resta-lhe ainda uma legenda: – aqui viveu gente boa.
         E aquela boa gente, hoje resumida a quase uma dezena de velhas, espera as últimas visões do tempo, projetadas de vindouros tempos, na muralha branca… e boa morte!
         Depois dessa fase de vida ou de sepulcro, que irão fazer de Santa Fé, naquela paz melodiosa de terra e de paisagem! Que farão daquela cruz à beira da estrada? E aquele túmulo ficará mirando os séculos? Ninguém sabe o fim das coisas; sabe apenas que as coisas terão fim.
         Paisagem merencório, é de qualquer maneira um filme realista, em cuja tela se projetam a beleza inspiradora e um sonho de poesia, ao viajor que passa, na lentidão dos passos, contemplando esse pedaço de minha terra, onde vive esse resto de minha gente!
                                               Jornal O Norte, 23 de agosto de 1953.”

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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