João Pessoa, 26 de setembro de 2024 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Amanheci com a braguilha pra trás, como diria D. Zezé, minha mãe. Na realidade, a expressão era bem outra, mas me recuso a proferi-la, em nome do decoro que o ambiente exige.
Depois de 8 meses de ausência, residindo em Coimbra, sinto que as coisas, no Brasil mudaram… para pior. Antes que algum leitor vá me acusar de complexo de vira-lata, afirmo e reafirmo que é no Brasil, em João Pessoa, mais especificamente, que desejo ficar. Não há lugar na face da terra que seja melhor do que o meu país ou esta cidade de natureza maravilhosa. Não estou, pois, deslumbrado com Portugal ou com a Europa.
Antes dessa temporada em Coimbra, morei um ano em Paris. Um ano em três, durante os anos de 2000 a 2002. A cada ano, eu passava um semestre letivo, que compreendia os meses de setembro a dezembro, ministrando cursos na Universidade de Paris X – Nanterre. Mesmo Paris sendo um sonho e uma festa, quero apenas visitá-la ou passar temporadas, mas não morar definitivamente. Nunca, em lugar nenhum, a não ser, reiterando o início do texto, aqui na minha amada João Pessoa.
Qual seria, então, o motivo para ter amanhecido com a braguilha pra trás? Simples, o nível de civilidade em que nós nos encontramos não nos credencia, ainda, a uma Civilização. Digo isso em termos gerais. No tocante ao Nordeste, esta é uma verdade incontestável. Vejamos alguns exemplos.
Nesses 8 meses em Coimbra, tivemos a oportunidade de passar por duas eleições, uma para o parlamento europeu, outra para o parlamento português. Só soubemos que estava havendo eleições, porque um dos pontos de votação ficava em frente ao Centro Comercial Alma, onde, aos domingos, costumávamos almoçar. Não havia carro de som, santinhos, carreatas, ruas sujas, nada que se assemelhasse à bagunça brasileira. Apenas alguns cartazes discretos, logo retirados, passada a eleição.
Falando em rua, moro relativamente perto de um supermercado e acostumei-me a ir a pé fazer as compras, o que é bom, em todos os sentidos: menos carro nas vias, menos consumo de gasolina e submeto-me a um exercício, saindo do sedentarismo. Para ter direito a essas benesses, tenho, no entanto, de tomar algumas precauções, como andar sem relógio (o que deixei de usar, desde que me dei conta de que há relógio demais ao meu redor…), sem carteira, sem documentos, sem o celular, apenas com algum dinheiro, o suficiente para as compras que desejo fazer, ou o cartão de crédito que, se for roubado, tenho como bloquear rapidamente ao chegar em casa.
Em Coimbra, (foto) nada disso acontecia. Podíamos andar na rua, a qualquer hora do dia e da noite, sem medo de assalto ou de ser abordado por alguém mal intencionado. Consultávamos, despreocupados, o itinerário a seguir, no celular, sem medo de mostra-lo em público. Havia ainda a vantagem de, em Coimbra, haver calçadas, algumas muitas estreitas, destruindo o sonho romântico dos jovens enamorados, de andar de mãos dadas. Mas as calçadas existiam. Aqui, vivemos na disputa das ruas com os carros, porque as calçadas não existem, muitas inapropriadas ao passeio, outras ocupadas pelos carros, cujos motoristas, no mais das vezes, dão ré, sem se preocupar em olhar pelo retrovisor e ver se há pessoas circulando.
Há dois prédios na Rua da Aurora, aqui em Miramar, em cujas calçadas um idoso terá imensa dificuldade de andar, tenho em visto a elevação em que foram construídas. Mesmo para quem conseguir montá-las, se não tomar cuidado, cairá na vala do acesso à garagem. Se o portão estiver aberto, o descuidado rolará para dentro do prédio… Aí, além de ferir-se, ainda poderá ser acusado de invasão de domicílio.
Há ainda mais, no quesito andar na rua. Muitas vezes, o pedestre fica um tempo grande pedindo a primazia, na passagem a ele destinada. E tem que ter muito cuidado, se algum motorista para, porque outros não param, necessariamente, e o risco de atropelamento é grande. Em Coimbra, chegava a ser tedioso. Em todo o lugar em que a passagem de pedestre não estava associada a um semáforo, a primazia era do transeunte. Os carros paravam automaticamente, antes da faixa.
Voltemos ao supermercado. Quando vou a supermercados mais longe, ainda me surpreendo com a “qualidade” dos motoristas. Ontem, cheguei cedo, em um supermercado, no bairro de Manaíra. Eram quase 8 horas, havia poucos carros no amplo estacionamento, um aqui, outro acolá, quando chegou alguém e estacionou o seu carro enviesado, tomando duas vagas. É um dos fatos mais comuns, quando não ocorre alguém “esquecer” o carrinho de compras, na vaga de um idoso ou de uma gestante. Pegando o mote, pareceu-me que, depois de 8 meses fora, o índice de gestantes cresceu exponencialmente, enquanto o de idosos retrocedeu, porque há muito mais vagas para aquelas do que para estes. Nada contra as gestantes, mas o fato é que muitos se aproveitam dessas vagas, pois a comprovação nem sempre está à vista…
Há, contudo, uma coisa que, na minha opinião, é determinante para se avaliar o nível de civilidade de um país: o troco. No Brasil, tudo se inverte, a ponto de se dizer que o cachorro mija no poste e os ratos, que são muitos, vivem reclamando do queijo. Nessa inversão, o troco passa a ser da responsabilidade de quem compra, quando deveria ser da responsabilidade de quem vende. E nem tome, na Europa, a iniciativa de querer facilitar o troco, pois trata-se de uma ofensa, a menos que o comerciante solicite, o que não significa que ele não tenha troco suficiente. Há ofensa mais grave ainda, no caso de querer “deixar para lá”, o troco de moedinhas, por aqui consideradas insignificantes. O centavo ou o cêntimo, que sobra do pagamento, pertence ao cliente e não ao comerciante.
Quando somos um país que adota o sistema decimal e simplesmente abandonou o centavo, com a desculpa de que ele sai caro para ser cunhado, é porque o nível de civilidade está abaixo da crítica. Sim, abaixo da crítica, porque na bomba de gasolina, a divisão está para além dos centavos, sem explicação plausível para isto, que não seja esperteza.
Por onde anda o meu cêntimo?
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