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Juiza de 9a Vara Civel de João Pessoa. Especialista em Gestão Jurisdicional de Meios e Fins e Direito Digital

E A TECNOLOGIA ENGOLIU MEU GRAVADOR

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publicado em 04/10/2024 ás 10h23

Quando eu era pequena, vereanava em Muriú, uma praia linda, rodeada de coqueirais, que tinha um belo parracho, localizada 45 minutos de Natal.

A estrada era verdadeiramente péssima, ainda de piçarro. A viagem durava a vida de um burro, porque o que hoje seria feito em 40 minutos levava umas 3 horas de carro. Era uma baita aventura chegar lá! Água potável não existia. A energia era fornecida por um motor a óleo diesel, que desligava às 21 horas.

O telefone só chegou em um posto de atendimento da TELERN, onde sempre havia uma fila enorme de veranistas para telefonar. Eu, persistentemente, ficava horas na fila para ligar para o meu pai, apenas para lembrá-lo de não esquecer de trazer os chocolates. Depois de muitos anos, a água potável chegou, mesmo que dia sim, dia não, pingasse no cano.

A energia também chegou, mas a televisão demorou. Assistir TV só era possível na pracinha, onde levávamos os tamboretes para ver Sônia Braga dançar com suas meias de lurex e sua filha problemática, Glória Pires, na novela “Dancin’ Days”.

Os tempos eram diferentes. Eu era verdadeiramente feliz! Havia liberdade de ir e vir; todos se conheciam e não havia o perigo de roubos e estupros. Saía todos os dias na companhia de uma prima rumo à Jacumã, a praia mais elitista do estado do RN.

Rayito de Sol era necessário para aquele bronze, mas o suco de cenoura com beterraba também ajudava a calibrar a cor.

Depois do almoço, quando não brincávamos em cima do trapiche ou jogávamos baralho, ao fim da tarde, colocávamos nossos maiôs, pegávamos as pranchas e corríamos para nosso segundo banho de mar, desta vez para pegarmos jacaré! Resultado: barriga ralada e nariz cheio de hipoglós. Mas não existiu melhor infância.

De tecnologia, havia somente um pequeno rádio gravador de fita cassete (BASF e TDK). Para fazer a playlist, era preciso muita, mas muita paciência! É que, no meio da gravação, o locutor da FM fazia o favor de soltar aquela propaganda: “Oferecimento de Pitú, aguardente do Brasil”. Graças a Deus, eu não sabia xingar, pois todo aquele esforço para gravar John Travolta e Olivia Newton-John cantando em “Grease” ia para o lixo. Tinha que começar tudo de novo!


Mas o melhor mesmo eram os discos de vinil. Ah! Como era bom esperar o lançamento das grandes gravadoras. Todo dinheirinho contado da mesada era para completar a coleção dos Beatles. E a preferência era realmente ganhá-los.


E as fotos… Álbuns e mais álbuns de nossas recordações. Desde o nascimento, fotos da escola até o casamento. O álbum impresso era a melhor recordação. Para viajar, levávamos rolos e mais rolos de filmes da Fuji ou Kodak, com medo de que as fotos queimassem.


A tecnologia avançava tão rapidamente que todos esses equipamentos, e muitos outros, foram rapidamente condenados à extinção.


Não peguei a queda do rádio pela televisão, mas vi a decadência dos gravadores portáteis, das radiolas e seus discos de vinil, e toda a sua indústria; equipamentos de som 3 em 1, toca-CD e DVD; máquinas fotográficas, mesmo as digitais, em bancarrota; e até mesmo a televisão, que paulatinamente perde seus espectadores para o YouTube.

Empresas como Kodak, Atari, Blackberry, Radioshack e Blockbuster pediram falência. A velocidade das transformações é estonteante. Desde que Graham Bell inventou o telefone em 1876 até o lançamento do primeiro celular do mundo, o Motorola Dynatac 8000X, em 1973, desenvolvido pelo engenheiro Martin Cooper nos Estados Unidos, e comercializado em 1984, passando pelo tijolão da Motorola, lançado em 1993, já se passaram mais de um século.

Embora o primeiro smartphone tenha sido lançado em 1992 pela IBM, ele não teve tanto sucesso como o iPhone da Apple, hoje a maior fabricante do mundo desse tipo de equipamento, superando até a rival Samsung, que trouxe na palma da mão não só o telefone celular, mas também o rádio, relógio, câmera fotográfica, câmera de vídeo, scanner e digitalizador de documentos, televisão, pedômetro, oxímetro, termômetro, medidor de pulsação, glicose, temperatura ambiente e localização através de aplicativos que simplificam os mapas.

Sem contar que, na palma da mão, é possível pagar contas, comprar, vender e trocar em qualquer parte do mundo; ainda pode-se ter sua própria coluna social e ser protagonista da sua história, mesmo que com alguns fakeismos, aproximando os de longe, mas condenando ao exílio os que estão tão perto, pois somos vítimas de seus conteúdos, terminando por afastar os próximos, sempre de cabeças baixas em restaurantes, trens, aeroportos e congêneres. Já não se tem mais infância como a minha, já que as crianças estão todas com um celular na mão, e até os bebês já sabem mexer nesse tipo de tecnologia.

Um único equipamento hoje é responsável por abrigar tantos outros que, há 30 anos, estariam vivos, se não fossem engolidos pela evolução tecnológica desruptiva e excessivamente rápida, engoliu meu gravador, destronou os aparelhos analógicos, que, como tal, não perdoa, extinguindo profissões e criando novos desafios. E sigamos o bonde!

Adriana Barreto Lossio de Souza – Juíza de Direito da 9a Vara Cível de João Pessoa. Especialista e Gestão Jurisdicional de Meios e Fins e Direito Digital.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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