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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Eliza envelheceu no Gloogle

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publicado em 06/10/2024 ás 08h05

O novo true crime brasileiro “A Vítima Invisível: O caso Eliza Samudio“ está na Netlifx. O documentário dirigido por Juliana Antunes, não só relata o repetido assassinato de Eliza e o envolvimento do ex-goleiro Bruno no caso, mas traz uma irrealidade brasileira, que soma a crueldade desses crimes contra as mulheres – que não tem tempo, nem hora, para acabar.

O filme “traz à tona detalhes inéditos do caso que foram negligenciados na época”.  Como assim? Claro, no Brasil tudo é feito nas coxas. O longa documental é lançado 14 anos após o crime, mas falta o personagem principal, Eliza.

Estão lá eventos que antecederam o desaparecimento de Eliza Samudio, sob a perspectiva dela. Aí sim, vem outra irrealidade, que traz a fala das amigas de Eliza, dizendo que ela corria perigo e uma delas chegou a ligar para o pai da vítima. Agora é tarde.

A produção teve acesso às conversas e mensagens pessoais de Elisa em seu computador. Ué,  por que a polícia não teve acesso na época?

O caso Eliza Samudio envelheceu. Nas imagens a impressão que temos é que Elisa nunca existiu.

Vídeos e fotografias de Eliza quando criança tem uma representação forte, a passagem de menina, adolescente e mulher. Tudo é uma desconstrução que se ergue e desaba e, a partir desse ponto, a imagem de Eliza não segue,  não se ergue.Onde ela está, que dia foi, a quê horas?.

Elisa se esqueceu de viver: se esqueceu que ela não tinha voz num país como o Brasil e meteu os pés pelas mãos, procurou a delegacia, deu queixa, mas a morte já estava encomendada. No Brasil é assim, falou, se não tiver grana, morre. Eliza viveu dias de terror.

O brasileiro, claro, não lembra mais de Eisa Samudio. Sabe por que? Porque são muitos crimes e diversos não estão no noticiário, crimes por toda parte, em todos os lugares, todos os dias. Qual é o dia em que não se mata uma mulher no Brasil?

Elisa se espreguiça no filme, feito um despertar, de quem gostava de ser, conhecida por “maria chuteira”, dez anos como goleira num time da escola.  O tempo e o espaço, também bocejam. Menina bonita, ela poderia ter sido outra coisa na vida. Chegou a ser atriz de filmes pornô para não passar fome – isso está lá no documentário.

É ruim o documentário, é um tipo de negação, do espanto patético, jamais estético.

Antes de entregar-se à credulidade, é melhor armar-se de desconfiança: será mesmo? Sim, aí está a superioridade inútil da morte de Eliza.

Eliza é chamada de modelo no filme, e isso nem vai, nem vem. Sequer uma grandeza, que passa a ser menor.

Eliza surge pela última vez como um sub-produto, para o lado vicioso da trama, do fetichismo hábil da descrença, que não existe no filme. É mais um objeto não identificado que surge às cegas.

Acreditem, nas interpretações mais absurdas, se elas lhes parecerem convincentes, e garanto que serão mais felizes na confiança inútil do Brasil, sobre as escusas ou lídimas intenções. É difícil ser mulher no Brasil.

Eliza envelheceu, mesmo tendo escrito antes para a um amigo, dizendo “quero viver minha vida sem medo”.

Kapetadas

1 – Não se fala desculpa a quem se sentiu ofendido, mas sim peço desculpa por ter ofendido.

2 – O outro lado da moeda não muda o valor da mesma

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