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Graduado em Letras Língua Inglesa. Especialista em Psicopedagogia e em Gênero e Diversidade na Escola. Leciona a mais de 20 anos em escolas públicas e privadas. Ativista de Direitos Humanos e da Comunidade LGBTQIA+ Amante da Filosofia e da Sociologia. Crítico social. Atualmente atua em Gestão Educacional.

Os ídolos nossos de cada dia

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publicado em 09/10/2024 ás 07h00
atualizado em 08/10/2024 ás 17h46

De repente andando por uma calçada movimentada de uma cidade grande a gente se esbarra em alguém oferecendo um serviço dentário, que geralmente promete um tratamento completo incluindo as conhecidas facetas odontológicas, que embranquecem sua dentição a uma tonalidade de branco celestial ou coco puríssima.

Essas abordagens são diárias e o fluxo de pessoas também. Algumas param, recebem um folder, outras não respondem, e há aquelas que nem sequer olham para aqueles homens e aquelas mulheres que estão vendendo não somente um embelezamento nos dentes, mas, principalmente horas de suas vidas por um salário mínimo ou uma comissão mensal que garanta o essencial do sustento alimentar e a  sobrevivência abaixo do perfil idealizado pelos cientistas sociais contemporâneos.

Ter os dentes branquíssimos é uma espécie de indicativo de que a pessoa possui elevada condição financeira, e mesmo que seja através de um truque que esconda o real e verdadeiro sorriso amarelado, muita gente tem buscado essa fake, quer seja para ostentar um capital que não tenha, quer para se exibir como um objeto brilhoso que muitas vezes esconde muitos perigos e pode até matar, ou se assemelhar aquele ou aquela “digital influencer” que ganha a vida facetando os dentes, viajando para lugares exóticos, dando dicas, fazendo aconselhamentos sobre temas variados que nunca foram vividos, e muitas vezes escondendo o encardido de seu caráter através de uma imagem feita com filtros de internet.

Há uma busca excessiva em se tornar alguém a ser admirado, a ser curtido e seguido, em apresentar uma imagem que nos faça ser aceitos e represente o discurso de coach capitalista de vencer na vida. Esses discursos geralmente falam de uma vitória financeira que a grande esmagadora parte da população não tem, mesmo que passe horas e horas no joguinho do tigrinho a conquista dos bens apresentados por um algum Digital Influencer nunca vem. Porque o objetivo desses discursos é tornar alienado e escravo quem o joga, sob a crendice inventada que facilmente ficará rico.

Ser pobre, e não ter bens para ostentar (mesmo que esses bens seja o saldo de um esquema de roubo “lícito”) é uma falta grave que o cidadão e a cidadã assalariada não deve cometer. E não ter “conteúdo” para apresentar nas redes sociais é um banimento da visibilidade da existência na rede social. Quem nada produz de “conteúdo” ou é considerado um indivíduo pobre ou alguém que já deve ter recebido um atestado de óbito digital, tornando-o inexistente e sem utilidade para ocupar um perfil no fantástico mundo irreal das redes sociais, que na verdade não possui uma consistência de tessitura alguma para ser chamada de rede, e de social só se aproveita a contextualização vocabular do sentido de ter muitas pessoas num mesmo lugar, porque no sentido primário da palavra social, a semântica se distingue totalmente do emprego de uso dela no mundo virtual.

Os “conteúdos” na grande maioria nada contém de conteúdo, e redundâncias à parte, são conteúdos que na maioria não contém nada que adicione conteúdo a alguém, quer seja de ordem moral, intelectual e religiosa. Na maioria são vídeos de coachs que estimulam o desgaste mental e físico em nome do sucesso financeiro. Vídeos de agremiações religiosas que expõe desequilíbrio emocional, fanatismo, e doutrinas que se dizem cristãs mas nada se relaciona ao Cristo, outras que produzem ídolos humanos que são venerados e no sentido mais amplo da palavra: idolatrados.

Pais que idolatram seus filhos. Homens e mulheres idolatrando seus corpos, seus bens, e suas conquistas acadêmicas. Intelectuais idolatrando seus referenciais teóricos, empresários idolatrando seus patrimônios bilionários. Políticos idolatrando seus resultados eleitorais. E muita gente simples, comum, assalariada e meros mortais, idolatrando suas imagens projetadas e idealizadas pelos filtros digitais, e com dentes facetados, quer seja com facetas reais ou dos próprios filtros. Mas o importante mesmo é ter uma imagem a ser venerada e idolatrada pelos os que veem.

Nos altares mentais criados pelos olhos de quem vê mas não enxerga as fantasias do mundo virtual, há muitos deuses e muitas deusas que são seguidos e seguidas fielmente, e os seus “ensinamentos” são palavras influenciadoras e referenciais de conduta moral, e mesmo que seja imoral, os seguidores e as seguidoras jamais terão discernimento e bom senso para perceber, classificar e estabelecer uma opinião lúcida sobre o que seus influenciadores e suas influenciadoras postam diariamente.

A idolatria generalizada é assintomática para uns e sintomática para quem ainda preserva a lucidez e o discernimento da razão que separa o ser racional e o ser emocional. Muita gente está condicionada a um estado de vida baseada na ilusão e na distorção, que pode ser da realidade ou de si mesmo, o que favorece a ampliação do campo da facetas, do ilusório e das imagens filtradas que cada vez mais distancia o humano da realidade em que vive. Da busca pelo sorriso perfeito até ser fisicamente, financeiramente e religiosamente perfeito há uma grande lacuna sendo preenchida por psicotrópicos e muita solidão maquiada com bases de várias tonalidades, que vão do bege apagado ao bege sem brilho. E desde que use uma base, não importa onde comprou e como vai pagar, o importante é impressionar, ser visto, seguido, curtido e idolatrado.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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