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Professora Emérita da UFPB e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP]. E-mail: [email protected]

A inteligência acima da média

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publicado em 17/10/2024 ás 19h09
Cute girl in eyeglasses making notes at workplace

A legislação do ensino do Brasil foi elaborada para quem está dentro da normalidade, conforme os critérios estabelecidos cientificamente. Isto levando em consideração a maturidade psicológica e física.  Segundo os estudiosos da evolução do homem, biólogos e psicólogos estabeleceram padrões que correspondem a estágios e etapas. Para cada uma delas corresponde uma competência de domínio psíquico-físico-locomotor. É o que o indivíduo será capaz de fazer durante sua vida, em cada idade bio-psíquica-evolutiva. Os currículos escolares seguem essa padronização que se denominou “classes”. Isto desde o ensino infantil, fundamental e médio.

Para falar sobre a educação dos superdotados temos que abordar a educação que trata de indivíduos com problemas especiais e essa problemática já vem se arrastando ao longo do tempo. O superdotado não deixa de ser uma pessoa com características especiais e que são únicas.

A educação especial teve início no sec. XIX, conforme proposta do governo da Espanha à UNESCO durante a Conferência Mundial da Educação Especial, realizada em Salamanca entre 7 e 10 de junho de 1994 quando foi proclamada a Declaração de Salamanca. Porém somente a partir do ano 2000 é que foi implantada uma política denominada “Educação Inclusiva”. Portanto, é nova essa medida de inclusão e o sistema de ensino aos poucos vai se adaptando e criando legislação para atender essa demanda.  O Plano Nacional de Educação estima que existam cerca de 15 milhões de pessoas portadoras de necessidades especiais no Brasil. No censo escolar de 2023 o número de alunos matriculados na educação especial atingiu a marca de 1.771.430, representando 3,7% do total de matrículas. Pela lei brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, de n º 13.146, de 6 de julho de 2015, os currículos tiveram que incluir conteúdos para garantir o preparo dos professores para enfrentar e lidar com a problemática na sala de aula.

Sobre a educação dos superdotados, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e outras legislações abordam o tema. A Política Nacional de Educação Especial através da Lei 13.234, de 1994, define como superdotados os alunos que apresentam alto desempenho e potencialidade em qualquer das seguintes áreas: capacidade intelectual, aptidão acadêmica ou pensamento criativo.  A legislação prevê diferentes formas de atendimento para alunos com alta habilidade ou superdotação, como enriquecimento curricular, aceleração de série e contra turno escolar. Renzulli (2004) explica que há dois tipos de superdotação: “1) Escolar ou acadêmica, que integra competências identificadas nos testes cognitivos; 2) Produtiva-criativa, que envolve atividades e a participação humana, o que implica n desenvolvimento de ideias, produtos, expressões artísticas e áreas do conhecimento”.

No início do mês, apareceu, na aula de natação para crianças, Frederico, a quem a turma passou a chamá-lo de Fred. Por que Fred veio frequentar hidroginástica? Ele chegou acompanhado da mãe, que, ao se aproximar da professora Agnele, foi logo dizendo: “Estou trazendo Fred para aulas de hidroginástica porque me indicaram, pois, o mesmo apresenta um comportamento estranho e não interage com outras crianças. É muito quieto, calado, e eu e o pai estamos desconfiados que está acontecendo alguma coisa, que não sabemos o que é. Acho que pode ser autismo, já me disseram, eu não sei! Estou trazendo para a natação porque informaram que ele ia melhorar, principalmente a socialização”. A docente ouviu o relato da mãe e falou que, apesar de não ser especialista da área, ia observar o comportamento de Fred.

Na aula seguinte Fred veio acompanhado do pai, que com a fisionomia muito fechada não deu brecha para diálogo. Agnele na aula subsequente conversou com a genitora e procurou inteirar-se da vida de Fred e o contexto de sua vivência. Conseguiu captar a sua procedência e constatou que ele vem de uma família muito simples. O pai é moto boy e a mãe faxineira, portanto, o seu ambiente é humilde e com muita carência e cheia de dificuldade.

Com o evoluir das aulas não identificou qualquer sintoma que o classificasse como autista e nem notou nenhuma característica de outra doença psíquica ou neurológica. O que constatou em Fred no seu comportamento foi uma certa timidez, isto com evidencia nas primeiras aulas. Todavia, com o continuar das aulas pode observar que ele era inteligente, porém não brincava e pouco interagia com as outras crianças. Na visão de Agnele ele era muito hábil e dava para perceber que alguma coisa era diferente em Fred, uma inteligência acima da média e com agudeza mental. Ele realmente não se relacionava com as outras crianças, mas isso não queria dizer que fosse doente ou limitado. Percebia a docente, em algumas vezes, era como se ele achasse certas brincadeiras bobas ou desinteressantes, que não lhe despertavam interesse. Então ele observava e permanecia quieto, mas todas as atividades determinadas pela professora Fred as executava e sem dificuldades. Agnele foi notando com nitidez a inteligência dele em suas colocações e observações. Estes aspectos todos percebidos foram relatados a mãe e no ponto de vista da docente tratava-se de uma criança tímida, retraída, mas quando estimulada correspondia e ia além da expectativa. Ainda fez ciente a mãe que o seu relato correspondia a sua visão. Aconselhava procurar um centro especializado onde houvesse profissionais, psicólogos, neurologistas etc. Podiam fazer uma avaliação melhor e tirar todas essas dúvidas. Agnele falou que só seu parecer não seria suficiente. O ideal era ouvir profissionais especialistas. Sua estagiaria conhece pessoas que trabalham numa instituição dedicada a crianças deficientes e pode levá-lo para ser avaliado. E assim aconteceu. Ana levou a mãe e Fred nessa instituição e ele foi submetido a uma série de testes e exames. Após o término a neuropsiquiátra chamou a mãe e Ane para dizer que Fred possuía um QI elevadíssimo! Não há déficit de atenção nem hiperatividade. O seu QI corresponde a uma pessoa já adulta, com 22 anos e ele está com 6 anos. Ainda constatou nos testes e nos vários exercícios que ele possui raciocínio lógico aguçado, lógica matemática, muito bom em cálculo, forma frases em inglês. Com relação ao laudo avaliativo e como trabalhava nessa instituição, não tinha autoridade para fornecê-lo e que tinham de procurar um especialista para que fizesse uma avaliação mais profunda. De acordo com a neuropsicóloga Leninha Wargas (2010), “quando uma pessoa se submete à testagem de QI e alcança resultado entre 115 e 129, ela está acima da média. Superdotado, de 130 a 144 pontos e, gênio, acima de 144 pontos”. A Organização Mundial da Saúde – /OMS/ (25/06/2024) estima que de 3% a 5% da população mundial seja superdotada. Olhando a população brasileira, a estimou em torno de 4 milhões de pessoas superdotadas. Ao final da consulta a médica tranquilizou os pais parabenizando-os pelo filho e que aquele comportamento não era nada demais, eles tinham um “geniozinho” em casa.

Após os exames feitos pela instituição e verificado que ele não tinha nenhum problema para ser admitido no estabelecimento, Agnele e sua estagiaria Ane se interessaram para orientar os pais no sentido de encaminhar Fred para colégios que oferecessem oportunidade para maior aprendizado e domínio cognitivo, o que preencheria em parte a lacuna do aprendizado que havia na escola atual. Fred realizou a prova para bolsa de estudo em dois colégios daqui de João Pessoa, tendo passado nos dois. Matriculou-se, e, com certeza, com o passar do tempo Fred alçará voos mais altos e outras chances surgirão com perspectivas que incentivem e aproveitem suas iniciativas e feitos.

Vejam vocês como as pessoas superdotadas, como ele, se comportam diferentemente de outras comumente consideradas “normais”.  Em várias ocasiões, quando frequentava, em estágios, escolas públicas, levando meus alunos em prática de ensino, havia reclamações dos docentes que os alunos eram inconvenientes, hiperativos, dispersivos e indisciplinados, uma vez que os métodos regulares de ensino, na maioria, não eram apropriados para satisfazer as necessidades intelectuais dos discentes. Eu observava que os professores nunca reconheciam que os métodos adotados pela escola eram inoperantes e desmotivadores, aos quais alunos não se enquadravam. Estes aprendem rapidamente e os métodos adotados não são motivadores por não apresentarem dificuldades e desafios condições necessárias para incentivar a aprendizagem. Os superdotados necessitam de motivação especifica e o processo de aprendizagem se dá de forma muito rápida e impõe uma aceleração dos conteúdos e em menor tempo alcançam independência e se tornam sujeitos de sua própria aprendizagem. É quando essas mentes são notabilizadas por descobertas cientificas que favorecem ao bem comum de toda humanidade.

O que podemos dizer na nossa ótica diante desse caso de Fred? Quantos Freds existem em nossa rede de ensino público e que não encontram oportunidade de evoluir nas suas aptidões intelectuais? Devem ser muitos que deviam merecer toda atenção de quem em última instância cabe decidir politicamente sobre o assunto. Quantas mentes brilhantes são perdidas por falta desse suporte. Mas o que se vê? É que nem o poder público dá conta do que se propõe, o que é básico, quanto mais atender a excepcionalidade. Fica difícil. A legislação existe!

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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