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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

João disse my love

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publicado em 20/10/2024 ás 08h55

Digamos que quando descobrimos o amor seja tarde ou ao chegar perto, a gente não consiga amar demais, porque todo amor que houver nessa vida vem e vai, se acaba, numa aparente visibilidade. Que nada, o  amor nos faz chorar escondido.

Ao descobrir, no vacilo de uma fala, um desejo narcísico e vaidoso, a partir desse momento o amor passa a revelar, que sua bondade não é mais do que um disfarce útil de um narcisismo mal resolvido. Tô fora, nem sou o cravo, nem a rosa.

Dizem pra gente se amar primeiro, mas essa classificação está noutra dimensão.  Isso não pode revelar, na verdade, um julgamento moral do amor inconsciente ou escancarado alheio, porque o amor não tem moral nenhuma e não é ele a revelar mais sobre quem fala do que sobre quem sofre de amor. Esquece, isso é papo de terapia.

Não seria contradição do homem, mas o amor é mais bonito na canção e isso não seria uma forma direta de se iludir com o amor, já que o amor é invisível e só entende quem namora.

Estava assistindo um show de João Gilberto, em São Paulo, 1994, que começa com “Eu Sei Que Vou Te Amar”, (de Vinicius de Moraes) e ao final da canção, ele diz baixinho: “Adoro São Paulo, São Paulo my love”  Isso dele dizer São Paulo my love é simplesmente a teoria que na prática funciona, mesmo simplista a funcionar. João Gilberto tem que ser um lugar de pensamento. Tem que ser um lugar de memória.

Matisse, Bach, Caetano Veloso, uma montanha, uma curtição numa padaria em Copacabana, (eu, Francisco, Alex, Gui e a moça que nos atendia) um copo de café com leite, a cachorra e o pelo dela, ainda o rabo dela abanando amoroso, isso tudo são coisas do amor que já passou.

Tudo alegra, dar cinquenta reais para alguém e ficar mais leve, comprar um bilhete inútil de loteria e cantar a música antiga “morreu, o nosso amor morreu, mas cá pra nós, antes ele do que eu”

Tudo isso não é fugir. Ou melhor, é fugir sim. É distrair-se, e distrair-se é sair dos trilhos e sair dos trilhos é voltar para o mundo, porque o mundo não é mais aquela sacada de Chaplin, imitando Hitler e, como disse o desafinado grego Heráclito, “pantha rei”. Por isso, fujo. Fujo para voltar ao lugar outro.

O escandalizado João Gilberto chamando São Paulo de my love, dando adeus, adeus Guacyra, seu pedacinho de terra, seu pé de serra, que nem Deus sabe onde está, é a prova de que o amor morre afogado em devaneios e repetições.

Quase me arrastando nessa cantiga, da repetição da vida, os olhos meus e olhos teus, vou ficando com a etimologia, que descobre vínculos entre o que é o que aparentemente foi, reconhece o igual no diferente e o diferente no igual. Sacou?

O amor estabelece pontes entre o passado e o presente; desdobre o presente para cobrir o passado e recarrega as palavras de concretude e proximidade com as coisas. E ainda inventa possibilidades e arma mentiras plausíveis, que às vezes se tornam verdades alvissareiras.

Adoro João Pessoa, João Pessoa my love, a cidade que não se redime, porque o que se redime também mata, dez, doze, mil vezes.

Kapetadas

1 – Se tudo na vida é business, o amor é só mais um ativo que se deprecia.

2 – Respeito a todos como se fossem santos, mas não endeuso ninguém.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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