João Pessoa, 23 de outubro de 2024 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Acabo de arrumar a estante das antologias de poesia brasileira. Não coloco ali as antologias paraibanas, pois reservo outro espaço para elas, dentro da categoria de assuntos e autores da terra. Falo em antologias, porém, na verdade, muitas se classificam melhor como coletâneas ou reuniões, uma vez que nem sempre o critério de seleção estabelecido se submete ao princípio da excelência estética da palavra.
Essas antologias são muito variadas, a considerarmos o método de sua organização. Panorâmicas, específicas, documentais, históricas, temáticas, de regiões, de gênero, de grupos, de gerações, de escolas literárias, de formas poéticas, enfim, de todo e qualquer elemento disponível na ordem diversificada da literatura.
As antologias possuem um caráter didático e constituem, sem dúvida, um precioso repositório de informações no âmbito da história literária, além do que funcionam como passagem propedêutica para a disciplina crítica e exegética face à fenomenologia poética de uma determinada circunstância ou momento históricos.
Disponho de muitas para me servir a paixão de leitor e de colecionador, sempre atento à riqueza de seus conteúdos e à relevância de seus valores editoriais. Isto porque, se não temos o acesso detalhado à prática poética de certas latitudes ou mesmo o contato mais íntimo com certas tendências ou movimentos literários, esta ou aquela antologia, que os configurem na súmula de sua sistematização, como que nos fornece um portal de entrada razoavelmente confiável.
Na arrumação, é preciso que se diga, o instante melhor é o da limpeza e asseio dos volumes individualmente. Asseio e limpeza a que se soma aquela leitura intervalar de reconhecimento, de surpresa, de descoberta. Se ocorre aqui o reencontro com antigas passagens sublinhadas, com breves comentários ao pé da página, com notas casuais grifadas ao sabor de emoções esquecidas, ocorre também, e não raro, o acontecimento de um dado novo, a graça de uma nova lição que essa silenciosa experiência nos traz.
Ainda há pouco me detive, por exemplo, sobre um exemplar de 1959, das Edições Minervas, do Rio de Janeiro, intitulado Coletânea de poetas alagoanos, coordenado por Romeu de Avelar. Dedicado a Josué Montello, o volume se impõe como uma antologia panorâmica e histórica, contemplando nomes que vêm da segunda metade do século XIX aos anos 50 do século XX.
O antologista lança mão de três categorias para reunir os seus escolhidos: “Poetas mortos”, Poetas vivos, “Poetas eventuais”. Vivos e mortos já se explicam por si mesmos, considerada a época de sua publicação. Os “Poetas eventuais”, curiosamente, são aqueles poetas “por esporte mental”, conforme assegura o organizador. Seriam talvez os poetas bissextos, de Manuel Bandeira? Não se sabe nem se esclarece.
Para os de hoje, já na segunda década do século XXI, um exemplo como esse pode parecer anacrônico ou insuficiente, sobretudo porque a poesia, em Alagoas, tem se enriquecido com os versos e poemas das novas gerações. No entanto, não penso assim. Na perspectiva de seus critérios e mesmo com as possíveis lacunas nem sempre evitáveis de empreendimentos dessa natureza, a coletânea de Romeu de Avelar me parece uma boa iniciação à tradição poética do estado de Alagoas.
Também me chamou a atenção, no manuseio desses livros que amo, a Antologia de poetas cearenses contemporâneos, publicada em Fortaleza pela Imprensa Universitária do Ceará, em 1965, data comemorativa dos dez anos de existência daquela instituição de ensino.
A nota introdutória, não assinada, revela que o plano inspirador da antologia foi do reitor Antônio Martins Filho e que a noção, quase sempre vaga e difusa, de contemporaneidade parece se circunscrever ao período daqueles poetas que representavam, nas terras de Iracema, a Geração de 45, aglutinados em torno da Revista Clã, responsável por uma das fases mais intensas da vida literária cearense.
Diria que é uma antologia de grupo ou de geração, contudo, com certa diversidade de expressão lírica, quer na temática de caráter plural, quer nos procedimentos formais, que variam entre o soneto de sabor clássico até aos experimentos da poesia concreta. Há certo rigor na seleção dos autores e certo cuidado com a qualidade intrínseca do verso no poema, o que faz dessa antologia um close perfeito do melhor discurso poético daquele momento histórico.
Aluízio Medeiros, Alcides Pinto, Antônio Girão Barroso, Artur Eduardo Benevides, Carlos D´Alge, Durval Aires, Francisco Carvalho, Iranildo Sampaio, Nertan Macedo e Otacílio Colares são os poetas reunidos. Poetas que, com sua dicção diferenciada e com sua singular percepção de mundo, deram sólida contribuição ao patrimônio da poesia brasileira.
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OPINIÃO - 22/11/2024