João Pessoa, 23 de outubro de 2024 | --ºC / --ºC Dólar - Euro

ÚltimaHora
Professora Emérita da UFPB e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP]. E-mail: [email protected]

Homenagem a um Luthier

Comentários: 0
publicado em 23/10/2024 ás 10h53

Na tarde memorável de 11 de outubro de 2024, às 17h aconteceu no auditório 09 do Espaço Cultural José Lins dois Rego a homenagem ao Luthier João Batista Trajano, através do recital do Quinteto de Bandolins do Recife & Guilherme Calzavara.O quinteto, liderado pelo professor Marco Cesar, tem por objetivo principal pesquisar e divulgar a música universal, em especial a brasileira de raízes eruditas e populares. Sua formação instrumental de cordas dedilhadas (família dos bandolins) oferece uma especial sonoridade timbrística bem peculiar e bastante rara nos palcos populares e salas de concertos no Brasil. O quinteto tem em sua composição artistas consagrados instrumentalistas, especializados tecnicamente na execução de peças virtuosísticas.

A história conta que as primeiras anotações da profissão Luthier são do século XVIII. Todavia se presume que seja ainda mais antiga. Luthieré o artífice dos instrumentos musicais acústicos. É o profissional que constrói instrumento musical. Fazendo um breve retrospecto, vemos que o homem sempre demonstrou essa tendência. O instrumento musical de corda que se tem como pioneiro é o Arco musical cuja origem data dos anos 35 e 15 a. C. Constitui-se em instrumento de corda tensionada. Como mais antigos, foram achados nove liras e três harpas numa tumba na Mesopotâmia por volta de 2 600 a.C. Outros registros foram vistos: pinturas em cerâmica, madeira, e metal, isto no Egito antigo e em ilhas do Mar Egeu. Nessa época, segundo relatos históricos dão a entender, as liras tinham funções musicais de caráter religioso ou poético, enquanto as harpas visavam o entretenimento e o erotismo. Os instrumentos de corda foram importantes na história da música ocidental, pois foi com um instrumento constituído de uma única corda, o monocórdio, que os filósofos e matemáticos da escola pitagórica descobriram todos os princípios matemáticos que regem os intervalos, escalas e a harmonia, dando origem ao estudo da teoria musical há mais de dois mil anos. (https://pt.wikipedia.org) Muita coisa poderíamos contar sobre a história dos instrumentos de corda, que é longa, o que não é o nosso propósito.

Como considerações preliminares gostaria de tentar responder o que seria um Luthier! Isto para poder compreender a relevância do evento celebrado para conceder tamanha honraria e assim antecipando a visão da importância magnânima do luthier homenageado, João Batista Trajano. A palavra tem origem no termo francês “luth”, alaúde +sufixo francês –ier, luthier , que significa artesão. O artesão é aquele profissional que fabrica seu produto através de um processo manual ou com auxílio de alguma ferramenta, todavia na totalidade da construção o uso de suas mãos é predominante na confecção do produto. Exige habilidade manual e cada peça construída é única. Uma das profissões mais antigas que hoje é uma raridade. O ofício exige muita dedicação, paciência e conhecimento técnico. Não é como numa fábrica que produz em serie e todas as peças são iguais. Podem até ser semelhantes, mas cada uma delas tem sua singularidade, seu ineditismo e personalidade. O Luthier seu oficio consiste em ouvir o musico interpretar suas aspirações e transformá-las na realidade de um instrumento de timbre pessoal, único e preciso. Personaliza o instrumento conforme o músico. E ainda é o artesão que constrói, conserta, regula e ajusta instrumentos musicais, principalmente de corda, como violões, banjos, guitarras, violinos, violas, violoncelos e contrabaixos. Trabalha em oficina ou ateliê, mas também pode ser encontrado em escolas de música, bastidores de orquestras, fábricas de instrumentos musicais e grandes lojas de instrumentos. As funções de um luthier incluem: Regular o braço do instrumento, corrigir problemas de afinação, fazer restaurações em madeira, trocar peças como captadores e trastes, realizar serviços de pintura e decoração artística.

O estudo dos instrumentos de corda está baseado na teoria das ondas estacionárias, ou seja, na frequência das ondas sonoras que as cordas emitem. Essas frequências naturais dependem de três fatores: a densidade linear das cordas (a massa da corda dividida pelo seu comprimento), o módulo da tração a que elas estão submetidas (se a corda está mais apertada ou frouxa no braço do instrumento) e o comprimento linear da corda. Isso significa que podemos alterar a altura das notas e sua afinação ao variar qualquer uma dessas características: as duas cordas possuem a mesma densidade e comprimento, a que sofrer maior tensão produzirá notas mais agudas. https://musicaeadoracao.com.br/25359/a-fisica-da-musica Cada tipo de instrumento musical tem uma espécie de “assinatura”: um conjunto de características sonoras associadas que têm uma descrição matemática extremamente precisa, embora possam parecer subjetivas. O som pode ser representado pela soma de diversas ondas individuais, o que chamamos de “componentes de Fourier”. O que diferencia um instrumento de outro são as amplitudes e a duração de cada um dos harmônicos presentes no som resultante. Considera-se no instrumento: produção do som, cordas dedilhadas, cordas friccionadas, cordas percutidas, cordas sopradas e outras técnicas. Portanto são muitos atributos que giram em torno de cada instrumento que agrega qualidade ao mesmo e lhe dá uma personalidade própria e só o Luthier é capaz de fazê-lo.

Fiz essas colocações para sentirmos a grandeza do Luthier João Batista que, na sua época, sem ter os recursos que se tem hoje, para sua formação, ele, sozinho, com os pendores que Deus lhe deu enveredou por essa nobre profissão que parece ter sido influenciada e determinada pelo divino que o fez famoso, nacional e internacionalmente. Muito merecida, recebe essa honraria do Quinteto de Bandolins de Recife.

João Batista, natural de Caaporã – PB, nascido em 5 de janeiro de 1955, viveu em São Paulo e como nordestino foi tentar a vida no sul do pais, em 1974, no que se deu muito bem. Lá esteve a exercer a arte da lutheria há muitos anos, tendo aprendido a arte quando esteve trabalhando por 15 anos na fábrica de instrumentos musicais Giannini. Conheceu o renomado mundialmente Shiguemitsu Sugniyama que lhe ensinou as primeiras lições e passos para enveredar na profissão. Construiu o seu primeiro instrumento um violão aos 25 anos, depois resolveu instalar seu próprio studio e não parou de produzir. No início, como todo negócio, enfrentou dificuldades, mas nada que o fizesse desanimar pois a sua determinação e vocação para o que fazia lhe moviam e incentivavam seguir adiante. Hoje, de volta a seu Estado, instalou-se em João Pessoa. Conhecido no mundo da música como JB, vê os instrumentos por ele fabricados (marca JB), serem disputados por aqueles que transitam nessa área devido a excelência da qualidade com que são construídos. Conforme consta da nota introdutória da programação do evento para ratificar a especificidade na otimização do alto nível dos instrumentos, João utiliza matéria prima advinda dos Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Japão, Índia e do Brasil. As madeiras utilizadas são as clássicas, como Jacarandá da Bahia, Abeto Europeu e Ébano Indiano, climatizados tecnicamente, consideradas as melhores do mundo. O resultado são peças de acabamento impecável e muita beleza, sempre afinados com o instrumento. O luthier trabalha com mãos de artista, mas é músico pelos ouvidos. João tem uma singularidade, não toca nenhum instrumento, mas têm um ouvido apuradíssimo.

João Batista não apenas faz instrumentos de cordas conhecidos, mas foi o criador do Bambolim Baixo, juntamente com o maestro Marco Cesar Brito, é único e inédito. Foi apresentado pela primeira vez na Universidade Federal da Paraíba durante o I Encontro de Choro, dia 13/09/2017, promovido pelo Departamento Musical, que aconteceu no Cine Aruanda, localizado no CCTA – Centro de Comunicação, Turismo e Artes da UFPB. Esse instrumento para chegar ao que é hoje levou 3 anos de estudos e pesquisa: usando madeira adequada, cortes especiais, espessuras, tamanho e proporções, tudo realizado com muito carinho e dedicação, como tudo que Joao faz, pois se trata de instrumento muito especial, criado no Brasil e por paraibano.

Quando foi biografado por Itapuan Bôtto Targino, em seu livro “Assim eu Disse, ” João, em depoimento a Carlos Roque, autor de “Luthiers – Artesãos Musicais Brasileiros”, relatou que considera a divisão de escala como a etapa mais delicada na feitura de um bom cavaquinho, cuja sonoridade deve ser límpida e cristalina. E acrescenta:

Por ser um instrumento diminuto, os trastes são muito próximos uns dos outros. Por essa razão é fundamental um preciso rigor matemático, noções avançadas de design e audição bastante apurada, a fim de facilitar a afinação do instrumento pelo músico.

O bacharel e músico renomado Marco Cesar de Brito, fez a abertura do Recital em Homenagem ao Luthier João Batista Trajano, falando da atuação de João Batista em ajudar aos amigos ao facilitar relacionamentos, dando destaque aos músicos do Nordeste. Participou de vários projetos culturais diretamente com JB luthier: a) Orquestra Retratos: (2 bandolins, 2 bandolas, 2 bandoloncelos, 2 violas, 1 cavaquinho, 1 violão de 8 cordas, 1 baixolão); b) Quinteto de Bandolins:2 bnandolins,1 bandola, 1 bandoloncelo, 1bandolim baixo; c) Bandolim Baixo: Primeiro bandolim Brasileiro.

Vários músicos no Brasil utilizam seus instrumentos: Paulinho da Viola, Nenéu Liberalquino, Paulão (violonista de Zeca Pagodinho), Isaias do bandolim, Lucy Alves (criança com Badu), Marcelo (quinteto Violado). Produtores: Edilson Capetinha (Corinthias) Grupos de Samba. Músicos no exterior que utilizam seus instrumentos: Dekster (USA) – compraria toda a sua produção; Andrea Bocelli (cantor italiano). Exporta para Alemanha, EUA, Japão, Portugal, Peru, África, Itália, Inglaterra, Irlanda, entre outros.

Dando continuidade à sua fala Marco César realçou a convivência com JB e recordou momentos marcantes da vida em que estiveram juntos, citando: Espetáculo Folias Guanabaras com a participação de Ivaldo Bert e a Orquestra Retratos em que foi apresentada a parte musical dedilhada com os instrumentos JB no SESC, em São Paulo, constituindo-se para todos nós da família dos instrumentos de corda ocasiões emocionantes e inesquecíveis. Ainda registrou a Feira Internacional de Instrumentos realizada em São Paulo e notifica José Roberto Rozini dono de uma das fábricas de instrumentos de cordas das mais famosas, fundada em 1995, há 29 anos, e se constitui referência na área no Brasil e no exterior, onde a mão de obra é 100% brasileira. Resultante desse contato Rozini indicou um cliente para JB por apresentar a fabricação de instrumento de cordas numa linha, mais particularizada, especializada e personalizada. Esta indicação no mundo instrumental da corda é por demais significante pois demonstra o reconhecimento de JB em nível de Brasil e do exterior.

Em sua locução, Marco Cesar, além de exaltar as qualidades de João como Luhtier, ressalta a pessoa que é JB como amigo, pai e chefe de família. Diz: ” João namorou com São Paulo, flertou com Recife e casou com João Pessoa, de modo que hoje pertence à família musical nordestina e brasileira”. Com relação a figura humana que é João, nossa família é testemunha, quando meu filho foi especializar-se em cardiologia no INCOR, em São Paulo, e não tendo nenhum ponto de apoio, João, Dilma e sua família o adotaram como filho e irmãos. Ele, para amenizar a solidão do pássaro fora do ninho, sentiu-se acolhido e experimentou o calor humano e aconchego dessa família extraordinária a quem somos eternamente gratos.

É Cidadão Pessoense, homenagem justíssima que demonstra o agradecimento da sociedade de Joao Pessoa, ao paraibano do município de Caaporã-PB O título foi proposto pelo Vereador Francisco Henrique da Silva (Chico do Sindicato) em 2019, recebido em solenidade no ano de 2022.

Joao recebeu, também, o reconhecimento do Conselho Estadual de Cultura, indicado pelo Conselheiro Itapuan Bôtto Targino para integrar a galeria dos agraciados com o DIPLOMA DE HOMENAGEM ESPECIAL DA 15ª NOITE DA CULTURA, no Teatro Paulo Pontes do Espaço Cultural José Lins do Rego (2002).

Ao justificar a homenagem do Quinteto de bandolins de Recife, Marco Cesar declamou o Acróstico– J- JUSTA -“Homenagem justa dos amigos a um homem justo em suas ações; OOPERÁRIO –Sonhador determinado e vencedor na vida; Ã – SÃO JOÃO BATISTA –Nome herdado do Profeta que batizou Jesus Cristo e evocado nas festas juninas que por sinal voltam neste ano (Momento Sublime). João já nasceu Santo. (João Batista Trajano dos SANTOS); O – ONIPRESENTE – Produção interminável e distribuída para todo o mundo; B – BOM – Filho, Marido, Pai, Avô, Amigo e Irmão parceiro para todo mundo; A – ACATADA – por todos os artistas que gostariam de estar prestigiando esse momento; T – TRABALHADOR – Trabalhador incessante em busca do bem estar de todos e da excelência profissional; I – IMPORTANTE -Para ele e sua família assim como parte de toda a nossa classe da Música Instrumental Brasileira (Ariano Suassuna); S – SUPERAÇÃO – Exemplo de vida na luta pela sobrevivência como cientista e pesquisador da arte de construir instrumentos; T – TRIUNFANTE – a quem consegue manter e transformar toda a sua criação, produção e marca (JB) em um esplendoroso sucesso; A – AMIGO – Cuidado e carinho para com todos os seres humanos que o cercam.

Dando continuidade, João Batista agradeceu a todos que contribuíram para produção do evento em especial aos professores Moézio Porfirio, Diretor da EEMAN e José Ilton, Supervisor de Violão da EEMAN. Acrescentou sua satisfação de ver o seu trabalho reconhecido por ilustres músicos instrumentalistas do Nordeste e do Brasil, que o deixava muito orgulhoso e lisonjeado, que suas palavras seriam poucas para demonstrar seu contentamento e a alegria que estava vivenciando naquele momento. Planejada do quinteto de bandolins do Recife com a formação instrumental

Após a fala de João deu-se início ao recital: Marco Cesar – Direção musical – Bandolim I; Alexandre Milton – Bandolim II; João Paulo Albertim – Bandola; Fernando Moura – Bandoloncelo; Helton Migge – Bandolim Baixo.

O evento foi encerrado numa tarde quase noite, deixando toda a plateia extasiada e em estado de graça de ter podido assistir tão bela homenagem e a espetáculo cultural artístico de excelente nível, digno de qualquer público nacional ou internacional, momento inesquecível, estando JB de parabéns!

Agora, quero dedicar umas palavras que vão no íntimo de meu coração, a essa figura humana do mais alto quilate, Joao Batista Trajano, pessoa que se apresenta humilde, delicada, com muita lhaneza e que de pronto transparece para os que o conhecem a grandeza de seu espírito e de sua alma, o que exercita na Lutheria. Esse comportamento é o que o faz gigante na sua arte e profissão. Comportamento seguido por sua esposa Dilma, filhos e sua irmã, minha amiga, Dra. Carliete Trajano do Santos. Nós somos muitos orgulhosos de privar da amizade da família e mais ainda de um dos maiores Luthiers da Paraíba e doBrasil. Cada um se revela em sua arte e João Batista, posso dizer, é o cientista do instrumento de cordas e pode ser, sem sombra de dúvidas, comparado com um dos maiores luthiers da história, o italiano Antônio Giacomo Stradivari (morreu em Cremona 1737), criador dos violinos Stradivarius, que hoje valem milhares (alguns até milhões) de dólares. Avante JB! Sucesso! Você tem todos os méritos!

.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

Leia Também