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Graduado em Letras Língua Inglesa. Especialista em Psicopedagogia e em Gênero e Diversidade na Escola. Leciona a mais de 20 anos em escolas públicas e privadas. Ativista de Direitos Humanos e da Comunidade LGBTQIA+ Amante da Filosofia e da Sociologia. Crítico social. Atualmente atua em Gestão Educacional.

APLAUSOS AO RIDÍCULO

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publicado em 23/10/2024 ás 18h27

 

 

Desde os tempos da Roma Antiga os aplausos eram a manifestação física de reconhecimento pelo êxito ou vitória de alguém sobre algo ou alguma situação. Os aplausos eram acompanhados de sonoras ovações que exaltavam os vencedores, quer sejam gladiadores quer sejam soldados ou outros guerreiros considerados como heróis pelo povo. E esse povo em sua grande maioria era constituído por escravos, camponeses e artesãos, e uma parcela privilegiada de aristocratas e nobres.

Aplaudir era o gesto de enaltecer alguém pelos seus feitos. Significava um ato de reconhecimento pelo mérito alcançado e de certa forma um incentivo (in) direto para que mais cidadãos pudessem atingir suas máximas de dedicação e empenho físico pelo seu povo. Embora o esforço físico representasse muitas vezes a exaustão e depois provocasse o óbito do “guerreiro” os aplausos eram um troféu valioso na vida daqueles que tanto se sacrificaram em nome de uma causa coletiva, sem o objetivo de se autopromover ou ser venerado pelo corpo, ou pelas riquezas e ostentação.

No transcorrer dos séculos e milênios as configurações sociais se transformam e comportamentos individuais e sociais também, muitas transformações aconteceram da Roma Antiga aos dias de hoje, mas os aplausos continuam sendo aplausos e vaias continuam sendo vaias, e senão me falha a memória o adágio popular correto é: quem tem boca vaia Roma, o oposto de “quem tem boca vai a Roma”, uma pequena ligação fonética que atravessou os séculos e ressignificou o verdadeiro contexto dessa expressão, que segundo os historiadores o sentido de vaiar Roma era o original desse ditado popular porque esse império era cruel e desumano, diferente do sentido de ir a Roma, uma vez que diante da realidade da época as pessoas simples e pobres não tinham interesse em conhecer uma cidade que naquele tempo era o centro da Europa e todo tipo de comércio, escravização e degradação de pessoas eram praticados lá.

No século XXI continuamos a aplaudir. E muitas vezes a aplaudir muito e de tudo.  Sem nenhum critério e discernimento sobre o que acabamos de aplaudir, simplesmente agimos impulsivamente e fazemos sem perceber se o que acabou de ser elogiado tem méritos ou não. É um ato automático e que pesa sobre o sentido de ser coletivo e estar em sociedade, ou seja, se outras pessoas aplaudiram eu também devo aplaudir. Sem questionar, refletir e em hipótese alguma questionar, a regra da boa convivência é seguir a maioria para não ser anormal, estranho e diferente. E principalmente para se sentir pertencente ao grupo de indivíduos que está a sua volta, e que (in) diretamente cobra o seu posicionamento sobre determinado assunto, quer você tenha conhecimento sobre o mesmo ou não.

Aplaudimos diariamente em forma de likes e curtidas as pessoas e conteúdos mais esdrúxulos possíveis sob a ótica do bom senso. Curtimos o que não se deve curtir na maioria dos casos, e sem nenhuma sanidade mental provamos o quanto a nossa capacidade psicológica de questionamento anda adoecida. Ficamos “enfeitiçados” com as imagens que nos apresentam, com os sons ritmados que são chamados de música e com as dicas e sugestões em vídeos sobre os mais variados temas, consequentemente saímos aplaudindo através de curtidas tudo o que vemos pela frente. Interessante é que nos nossos dias de “encantamento” com o superficial dos filtros instagramáticos não há a opção de não aplaudir, não há a opção para dizer que não curti, ou que não gostei, e dessa forma a regra está dizendo que você deve aplaudir mesmo sem gostar ou curtir, porque a opção contrária não existe, e talvez nunca existirá porque quem sistematizou esse comportamento social já nos programou para dizer apenas sim.

E o sim perenemente é um estado de servidão, de escravização da racionalização. E por falar em racionalização….me parece que milhares de seres racionais perderam a racionalidade deles e delas depois de já terem perdido suas humanidades partiram para uma regressão de estado primitivo do raciocínio, onde o degradante é o belo e o belo é rejeitável, onde o argumento é jogado no lixo enquanto a agressão física é legitimada por seguidores de muitos (des) influenciadores digitais, que diga-se de passagem, a grande maioria não possui nada que seja digno de um aplauso ou de uma curtida sequer.

Já que seguir, comentar e curtir tem sido maneiras contemporâneas de se aplaudir algo, podemos imaginar milhares de “seguidores” reunidos num local fechado aplaudindo o seu influencer preparando uma comida, fazendo exercícios físicos ou bizarrices estéticas e comportamentais. Já imaginou se fosse possível reunir os seguidores e seguidoras de uma pessoa que se autodenomina Digital Influencer num mesmo local para presenciar a olho vivo os “conteúdos” que eles e elas tanto curtem e aplaudem?

Será que essas pessoas se perceberiam como meras expectadoras de vidas alheias que não representam e muito menos identificam com a vida que elas levam? Será que se acordariam do sonho e da fantasia que vivem? Provavelmente não!! Provavelmente ficariam mais encantadas e extasiadas diante de seus criadores de realidades paralelas. Provavelmente não se envergonhariam de “consumir” tanta toxidade e regurgitá-las sem nenhum peso de consciência, aliás, provavelmente nem consciência tem.

A cada dia mais e mais pessoas aplaudem o implausível, valorizam o que não tem valor, amam o que não tem amor, e se distanciam de quem está por perto.

Na impulsão de aplaudir os outros, tem muita gente esquecendo de se aplaudir. De aplaudir suas batalhas vencidas e sua força de viver, para aplaudir o ridículo alheio que sempre existiu, mas que antes não havia internet para expô-las.

E em meio a tantos aplausos, as cortinas se fecham e a cena se encerra.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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