João Pessoa, 25 de outubro de 2024 | --ºC / --ºC Dólar - Euro

ÚltimaHora
Francisco Leite Duarte é Advogado tributarista, Auditor-fiscal da Receita Federal (aposentado), Professor de Direito Tributário e Administrativo na Universidade Estadual da Paraíba, Mestre em Direito econômico, Doutor em direitos humanos e desenvolvimento e Escritor. Foi Prêmio estadual de educação fiscal ( 2019) e Prêmio Nacional de educação fiscal em 2016 e 2019. Tem várias publicações no Direito Tributário, com destaque para o seu Direito Tributário: Teoria e prática (Revista dos tribunais, já na 4 edição). Na Literatura publicou dois romances “A vovó é louca” e “O Pequeno Davi”. Publicou, igualmente, uma coletânea de contos chamada “Crimes de agosto”, um livro de memórias ( “Os longos olhos da espera”), e dois livros de crônicas: “Nos tempos do capitão” …

Parada para o vazio

Comentários: 0
publicado em 25/10/2024 ás 07h32

Cansada, deixou a labuta que ainda lhe estirava os beiços sem piedade alguma. Pôs uma das mãos na cintura. Com a outra, esfregou os olhos. Isto feito, olhou para o alto, céu seco, surdo e mudo. O zumbido voltou. A dor no ouvido esquerdo também. Os cabelos despenteados queriam seguir qualquer destino e cobravam atenção, mas um pingo de suor escorreu do seu nariz até a boca. Sal puro.

Enquanto desembaraçava os cabelos, começou a rememorar as tarefas do outro dia, mas isso era um desatino. Melhor seria alimentar outra ideia recorrente: ir embora, sumir no mundo, fechá-lo em duas bandas, deixar tudo para trás.

A ideia inchou em sua mente. Por onde começar? Mandar o marido para a “puta que o pariu”, mas lembrou-se da sogra, mulher honesta e prestativa. Nunca entendera como alguém de moralidade tão elevada parira um patife, um bosta que só possuía colhões grandes e arrogância.

Mas sua cabeça estava como essas birutas ao labor do vento. Seus pensamentos deram uma volta no mundo até ela se lembrar do que viera fazer. Sentar-se. Apenas isto. Uma cadeira de balanço, fitilhos vermelhos, alguns já torados, dependurados, tocando a terra batida, o piso da calçada.

Minervina preferiu o banquinho de três pernas, tábua dura, quase tão desajeitada como a sua bunda que perdera o viço e a exuberância. Lembrou-se quando era novinha, moça fogosa, ancas empinadas, tal qual seu nariz, que também perdera a capacidade de sentir o cheiro das bonanças.

Morar onde morava tinha suas vantagens. Sentar-se naquele banquinho, ali na calçada ao pôr do Sol. Sem ninguém por perto. O traste inútil ainda não chegara. Martinha saíra com sua sogra. O silencio só não era absoluto porque os passarinhos são bichos curiosos e viam nela confiança. No mais, estirar as pernas e pô-las no balançar do vento.

Seria assim se o nada não tivesse preenchido seus pensamentos. Quando isso acontecia, ela ficava estática como uma pedra. Os olhos se estiravam para longe, um lugar bem distante, talvez cheio de pão de ló comido com chá de folha de laranjeira. E mel de jandaíra.

Quiçá fosse isso. Estevão, o traste ruim, chegara. Foi assim que Minervina descobriu que o vazio da sua alma não tinha medida nem horizonte.

@professorchicoleite

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

Leia Também