João Pessoa, 26 de outubro de 2024 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Kubitschek Pinheiro – MaisPB
Fotos – Christopher Michael Heisler
“O Tamanho do Tempo” é o nome do álbum de estreia de Carlos Cavallini em em CD e vinil. As gravações ocorreram em junho deste ano no estúdio Cave em Lisboa com produção de Ricardo Dias Gomes e Domenico Lancellotti instrumentistas em todas. Além do disco, ele lançou o single “Um Milhão” gravado no Vale dos Lobos, com produção de Luísa Sobral. “Um Milhão” não está no disco solo.
“O Tamanho do Tempo”, contou com a participação de músicos como Pedro Sá, João Erbetta, Davi Moraes, Aquiles Moraes e Jonas Sá que, juntamente com os produtores, arranjaram as canções para o projeto.
A acordeonista, cantora e compositora Celina da Piedade enriquece uma das faixas deste álbum, “O Que Me Faz Bem”. “O Tamanho do Tempo” é um mergulho na riqueza da música brasileira, refletindo uma diversidade de influências musicais que passa por Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Cassiano, Azymuth, Adriana Calcanhotto, Céu, entre muitos outros. Nuno Pacheco, do PÚBLICO observou que o “disco é também um exercício introspectivo, pessoal” onde “Carlos Cavallini mede o tamanho do tempo em músicas banhadas pelo mar”.
A música “Um Milhão”, de Carlos Cavallini, está tocando disparado nas plataformas mundiais Cada participante recebeu a tarefa de Luiza Sobral, para compor uma canção inspirando-se na crônica “O Encontro”, de Antônio Lobo Antunes. Carlos Cavallini escreveu sob o olhar de uma pessoa que observa, por uma janela, a cena de um homem à espera de alguém. E fez bem.
Retiro – A ideia de Luísa para produzir a canção surgiu no último dia do retiro e o artista estava às vésperas do lançamento do álbum de estreia. Voltando para o Alentejo e veio a proposta de produção de um single da canção. E Carlos Cavallini topou na hora.
Em entrevista ao MaisPB, Cavallini revela a alegria do primeiro disco quer é banhando nos mares do mundo
MaisPB – Que beleza a estreia desse disco “O Tamanho do Tempo”, que contempla o tempo e o mar e os amores estão aí, né?
Carlos Cavallini – Sim, os amores estão mesmo todos aí neste disco 🙂 É um álbum muito especial para mim, não só por ser o primeiro, mas também por ser uma coletânea de canções que fui compondo ao longo da vida. Revisitar essas canções foi como revisitar a minha própria trajetória. Parei para pensar nas épocas em que cada uma foi escrita e em como elas refletem esses momentos. “Sempre Mar”, por exemplo, é uma reflexão sobre como sempre busquei estar perto do mar, nas escolhas que fiz, e como entendi que essa proximidade era fundamental para mim. A canção reflete muito essa busca. Saí de Vitória, no Espírito Santo, para viver em Lisboa, depois passei temporadas em lugares igualmente conectados com o mar, como Belfast, Luanda e Rio de Janeiro. É um disco que, de certa forma, fala muito de mim mesmo.
MaisPB – A Palavra, é uma proposta para que as caibam na vida gente – é uma linda canção. Falai?
Carlos Cavallini – Gostei muito do que você disse – as palavras que caibam na vida da gente. É um pouco isso, sim. A ideia surgiu ainda em Vitória, durante uma festa para Iemanjá, na praia, mas acabei compondo a música já em Lisboa. Ela me transporta para a minha infância, como se eu estivesse dizendo a mim mesmo que, quando as coisas vêm do coração, não têm erro. É uma das canções mais especiais para mim, talvez a minha favorita no álbum. Fiquei profundamente emocionado com o arranjo feito pelo Domenico e pelo Ricardo, e a guitarra do Pedro Sá é simplesmente maravilhosa. Durante as gravações, pensei muito sobre o que essa canção significa para mim: a ideia de me cobrar menos, de saber que a vida também é sobre contar com a sorte e que podemos nos libertar do que nos pesa.
MaisPB- Foi morar em Lisboa para dar o ponta pé inicial de sua carreira artística? Tem gente talentosa do Brasil morando aí, Bernardo Lobo, Mallu Magalhães e Marcelo Camelo… Você tem contato com essa gente bacana?
Carlos Cavallini – Eu vim para Portugal em 2007 para fazer um mestrado em Etnomusicologia na Universidade Nova de Lisboa. Dois anos antes, conheci um grupo de artistas em um festival de música e teatro no interior do Espírito Santo. Na época, eu tinha uma banda e estávamos lá para nos apresentar. Uma das pessoas que conheci no festival me contou que estava se mudando para Lisboa para fazer um mestrado em Cinema. Mantivemos contato, e sua experiência foi me inspirando cada vez mais a fazer o mesmo. Eu já buscava uma mudança na vida profissional e queria a experiência de viver fora do Brasil, com o desejo de me aproximar da música de forma mais intensa. Quando encontrei o mestrado em Etnomusicologia, achei ideal para o que eu queria: uma pesquisa que analisasse o discurso dos media portugueses sobre a música brasileira. Fiquei imensamente feliz quando o meu projeto foi aceito e acabei ficando para o doutorado, também encorajado pela professora Salwa Castelo-Branco, minha orientadora. Hoje, não me vejo morando em outra cidade. Apesar de não ter contato com os artistas que você mencionou, conheço muitos outros brasileiros incríveis que vivem aqui em Portugal, e a cena artística brasileira por aqui é realmente maravilhosa!
MaisPB – Casa é onde o corpo está – é uma canção os interiores da casa mostrem, a cara da gente, o amor da gente, quartos , salas, chão. Vamos falar dessa canção?
Carlos Cavallini –A ideia de que o corpo carrega nossa história e é nossa casa foi o ponto de partida para essa música, uma das primeiras a entrar no disco. Ela me lembra que sou o meu próprio lugar, algo que dialoga com um texto da Viviane Mosé, em que ela diz: “Vitória é sempre o chão onde piso, mesmo quando piso em outro chão.” A partir dessa premissa, a música se abre para muitas outras reflexões, como você disse, mas essa ideia inicial é muito importante para mim.
MaisPB- Querido Amigo parece uma carta nos tempos no tempo em não fazemos mais cartas, não é?
Carlos Cavallini – Sim! E essa sensação provavelmente vem do fato de ela ter sido escrita numa época em que os smartphones e o WhatsApp ainda não eram tão comuns. Conheci muita gente incrível nos meus primeiros anos em Portugal, e logo percebi que teria que aprender a me despedir de pessoas que gostava muito, porque a vida de estudante era assim: as pessoas vêm, ficam por um tempo e depois seguem seus caminhos.
MaisPB – E essa moçada toda que toca no seu primeiro disco – Domenico Lancelloti, Pedro Sá, Ricardo Dias Gomes, Davi Moraes, Jonas Sá, Aquiles, vamos levantar a bola dos músicos?
Carlos Cavallini – Com certeza! Sempre admirei muito esses artistas incríveis que participaram do disco. Foi um presente poder passar dias com eles, trabalhando nos arranjos, com tempo e num clima maravilhoso. O Ricardo e o Domenico tocando e trabalhando juntos era uma maravilha de se ver. Foi uma experiência incrível. Convidamos o João Erbetta para algumas faixas, um músico extraordinário e fez tanta coisa linda como as guitarras surreais de Sempre Mar e A Grande Beleza. O Davi Moraes participou de uma faixa, Nem todo Mundo, muito especial ter ele no disco. E o Pedro Sá gravou em 10 músicas do disco. Quando me disseram que tinham convidado o Pedro Sá, nem consegui reagir (risos). Sempre disse que ele era o meu guitarrista favorito, e ter ele no disco é uma alegria imensa. Em cada música que ele tocava, a gente ficava maravilhado. O Aquiles Moraes trouxe arranjos de sopro que ficaram lindos em duas faixas, e depois o Jonas Sá chegou com backing vocals brilhantes, e ainda tivemos a participação da Celina da Piedade e do violino da Ana Santos, que enchem meu coração de alegria. Sou mesmo um sortudo!
MaisPB – Legal a sacada dessa canção Nem Todo Mundo acredita no mesmo deus. Isso amplia a necessidade da existências dos ateus, do candomblé, dos testemunhas de Jeová etc, né?
Carlos Cavallini – Sim. A vontade era falar de algo que deveria ser tão simples, né? Diferente da maioria das canções do disco, esta foi composta durante as gravações e senti que precisava estar no álbum por abordar algo tão presente no nosso tempo. Em um momento em que algumas pessoas tentam impor suas crenças, achei importante trazer à tona o óbvio.
MaisPB – Aliás, “nem todo mundo entende, nem todo mundo é incrível, nem todo mundo quer tudo…” esses versos servem para avançarmos, né?
Carlos Cavallini – Exatamente! A ideia inicial veio da tentativa, cada vez mais frequente no Brasil, de uma imposição das crenças religiosas nas leis do país. Mas a música também conversa muito bem com questões individuais. Estamos enfrentando uma dificuldade crescente, onde uma parcela da população “confunde” intolerância e crime com liberdade de expressão. Num momento em que o diálogo está tão complicado, cantar o refrão “não é sempre sobre você” tem sido muito bom! Mas sim, concordo que tudo isso serve também para avançarmos.
MaisPB – Vamos fechar com o single “Um Milhão” que nasceu do convite de Luisa Sobral?
Carlos Cavallini –Sim! A música “Um Milhão” veio de um exercício proposto pela Luisa Sobral durante o retiro que ela criou de escrita de canções, em janeiro deste ano. Eu participei da primeira turma. Ficamos um fim de semana no Alentejo, onde ela ia nos passando exercícios que nos inspirasse a compor e a gente tinha algumas horas para voltar com uma canção após cada exercício. No caso de “Um Milhão”, cada participante recebeu a tarefa de compor uma canção baseada na crônica “O Encontro”, de António Lobo Antunes, a partir de diferentes perspectivas. Eu tive que escrever sob o olhar de uma pessoa que observa, por uma janela, a cena da crónica que narra a espera de um homem que havia marcado um encontro com uma mulher num restaurante, num dia de chuva. Fiquei muito feliz com o convite da Luisa para a gente gravar a canção, com a produção dela. É uma artista que eu admiro demais e os músicos que ela trouxe também são incríveis. Estava um clima tão bom no estúdio! Foi muito especial para mim. Esta é uma canção que me deixa muito feliz por ter essa história tão linda para contar.
OPINIÃO - 22/11/2024