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Educador físico, psicólogo e dvogado. Especialista em Criminologia e Psicologia Criminal Investigativa. Ex-agente Especial da Polícia Federal Brasileira, sócio da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas e do Instituto Brasileiro de Justiça e Cidadania. Autor de livros sobre drogas.

Dependência química e suas comorbidades

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publicado em 29/10/2024 ás 07h00
atualizado em 28/10/2024 ás 18h18

Muitos estudiosos desta temática concordam que alguns transtornos psiquiátricos têm uma relação direta com o uso indevido e abusivo de drogas. O próprio Código Internacional de Doenças – CID, que se encontra em sua 11ª edição, descreve em seu contexto, uma relação específica que enumera os “transtornos mentais e de comportamento decorrentes do uso de substâncias psicoativas”.

A dependência química ou síndrome de dependência, é classificada como doença pela própria Organização Mundial de Saúde. Mas, é importante lembrar, que nem todo uso indevido e abusivo de drogas caracteriza dependência química.

De forma genérica e simplista, pode-se dizer que dependência é o encontro entre uma personalidade e um produto em determinado contexto.

Segundo as orientações do CID, para um diagnóstico de dependência química ou síndrome de dependência é necessária a presença de “um conjunto de fenômenos fisiológicos, comportamentais e cognitivos, no qual o uso de uma substância ou uma classe de substâncias alcança uma prioridade muito maior para um determinado indivíduo que outros comportamentos que antes tinham maior valor. Uma característica descritiva central da síndrome de dependência é o desejo (frequentemente forte, algumas vezes irresistível) de consumir tais substâncias, as quais podem ou não terem sido medicamente prescritas….”.

Ainda segundo o citado código, um diagnóstico definitivo só deve ser fechado se três ou mais dos requisitos a seguir, tiverem sido experienciados ou exibidos em algum momento durante o ano anterior: a) um forte desejo ou senso de compulsão para consumir a substância; b) dificuldades em controlar o comportamento de consumir a substância em termos de seu início, término ou níveis de consumo; c) um estado de abstinência fisiológico quando o uso da substância cessou ou foi reduzido, d) evidência de tolerância, de tal forma que doses crescentes da substância psicoativa são requeridas para alcançar efeitos originalmente produzidos por doses mais baixas anteriormente; e) abandono progressivo de prazeres ou interesses alternativos em favor do uso da droga, aumento da quantidade de tempo necessária para obter ou tomar a substância ou para se recuperar de seus efeitos; e f) persistência no uso da substância, a despeito de evidência clara de consequências manifestamente nocivas.      É importante registrar que uma característica essencial da síndrome de dependência é que tanto a ingestão da substância psicoativa quanto o desejo de ingeri-la em particular devem estar presentes. Assim, estariam excluídos, aqueles casos de exigência diagnóstica, em que pacientes cirúrgicos tomam drogas opióides para alívio da dor, por exemplo.

A OMS, só considera dependência química quando há uma alteração cerebral provocada pela ação direta de drogas nas diversas regiões cerebrais. Ou seja, segundo esta entidade de saúde, para que se caracterize a DQ, é necessário que ocorra uma alteração química no cérebro. Devo registrar que muitos teóricos não concordam com esta tese, e classificam esta doença em dois tipos principais, quais sejam: dependência física e dependência psicológica.

A considerar o entendimento defendido pela OMS, a chamada dependência psicológica tecnicamente não é mais considerada, haja vista que essa exige para o fechamento do diagnóstico de dependência química a presença de um dano cerebral real causado à saúde física e mental do usuário.

Mas, repito este entendimento não é seguido por muitos estudiosos deste tema, para eles a dependência química está dividida entre física e psicológica, e esta se caracteriza especialmente por um estado mental em que o usuário tem uma necessidade intensa de sentir os efeitos da droga. E, assim sendo, a sensação de desconforto sentida pelo dependente, é muito forte (angústia, mal-estar, ansiedade, inquietação, bocejos, transpiração excessiva etc.), mas apenas no âmbito psicológico e não no plano físico. Defendem ainda estes pesquisadores que, a dependência psicológica é a maior responsável pelo retorno dos usuários às drogas, às conhecidas “recaídas”, e que o tratamento desse tipo de dependência é mais demorado e complexo. Confesso que me acosto ás opiniões destes estudiosos.

Nem todas as drogas provocam dependência. E poucas provocam a dependência física, embora muitas possam provocar a referida doença no âmbito psicológico. Esse é outro aspecto defendido por esta corrente de pesquisadores.

Algumas substâncias psicoativas – SPA, podem causar dependência química com mais rapidez, dentre estas posso citar: a cocaína, especialmente quando consumida de forma fumada, é o caso do “crack” por exemplo, (derivado da cocaína que normalmente se apresenta na forma de pequenas pedras); anfetaminas, tabaco (nicotina), entre outras. Isto deve-se ao fato de o poder viciante de qualquer droga estar diretamente relacionado a repetição frequente do uso; como estas drogas têm ação passageira no organismo, o usuário as consome com muita frequência, e assim existe a possibilidade de instalação do vício e ou dependência num curto espaço de tempo.

Ainda não se conhece com exatidão o mecanismo psicológico e físico que leva um indivíduo a se tornar dependente de uma determinada substância ou classe de substâncias, pois os fatores que levam a este mal podem variar bastante de uma pessoa para outra.

Em resumo, podemos dizer que os principais requisitos para a caracterização da instalação da dependência química ou síndrome de dependência, são a tolerância (aumento da quantidade consumida para obter o mesmo efeito de antes), a síndrome de abstinência (sofrimento quando está sem consumir a droga) e a consciência dos efeitos danosos destas substâncias.

Alguns transtornos mentais e de comportamento são comumente decorrentes e ou associados ao uso de substâncias psicoativas, ou seja, esses são comorbidades frequentemente presentes nos dependentes químicos. Dentre estes, podemos citar a depressão, os transtornos de ansiedade, o obsessivo-compulsivo, os de personalidade e também alguns tipos de psicoses.

Também não é incomum que indivíduos com transtornos neuro-cognitivos (de aprendizagem), de atenção, de memória, concentração, linguagem, entre outros, apresentem uma maior propensão a enveredarem para o consumo indevido de drogas e, consequentemente, se tornem dependentes destas substâncias.

Uma das principais dificuldades em prevenir e tratar estes problemas é que, com frequência, esses sinais não são identificados nem pelos familiares nem pelos professores na escola, mesmo estando presentes desde a tenra idade.

Desta forma, esses transtornos podem prejudicar profundamente a autoestima e o desenvolvimento das crianças e jovens, atrasando ou até impossibilitando o desenvolvimento de suas potencialidades.

 

 

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