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Marcos Pires é advogado, contador de causos e criador do Bloco Baratona. E-mail: [email protected]

Aperreio de verdade

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publicado em 09/11/2024 ás 07h00
atualizado em 08/11/2024 ás 17h26

Aperreio de verdade era acordar para levar o filho recém-nascido ao pediatra pela madrugada, conseguir que o médico acordasse para atender, torcer para ser uma doença daquelas que era suficiente o remédio para curar e achar uma farmácia de plantão que dispusesse em estoque do tal remédio. Só aí já eram 4 possibilidades difíceis de concretizar numa João Pessoa que não dispunha de quase nenhum recurso na área. À noite o que funcionava era o único pronto socorro da capital onde evidentemente não existia nenhum pediatra de plantão. E as farmácias? Que eu me lembre aqui havia a farmácia Padre Zé na 1.817 que funcionava 24 horas.

Aperreio de verdade era esperar algum amigo informar que finalmente uma carga do leite tal, específico para crianças com alergia ou outro problema de saúde chegara ao supermercado, mas que cada cliente só poderia comprar uma lata para que eles pudessem atender a um maior número de fregueses. Cansei de levar comigo a sonolenta babá que se fazia passar por outra cliente e assim reforçávamos nosso reduzido estoque.

Aperreio de verdade era descobrir na praia do poço, provavelmente no bar de Onaldo, que sua criança era alérgica a crustáceos depois de experimentar pela primeira vez um prato de camarões. Você assistindo a agonia do pobre coitado querendo respirar sem poder, a estrada de Cabedelo para João Pessoa tornando-se subitamente bem mais comprida do que já era, a inexistência dos aparelhos celulares forçando bater em vários hospitais até encontrar finalmente quem socorresse o pirralho e enfim o alivio de ouvir sua respiração regular.

Aperreio de verdade causei a meus pais. Numa época em que era comum menores dirigirem aqui em João Pessoa, meus pais me deram uma Variant branca. Todas as noites eu ia à casa da namorada e depois me aventurava em amores mais ousados com amigas queridas, geralmente na ponta do Cabo Branco ou na praia do Seixas, à falta de motéis na então atrasada capital. Por obvio chegava em casa de madrugada. Meus pais sabiam e achavam arretado. Porém numa noite alguém os avisou que Marcos caíra da barreira do Cabo Branco em sua Variant branca e morrera. A notícia era verdadeira, porém ocorrera com outro Marcos que possuía um automóvel igualzinho ao meu.

No dia seguinte meus pais tomaram uma providência drástica, bem típica deles. Ao invés de me proibirem dos amores noturnos me presentearam com o primeiro automóvel Puma que chegou em João Pessoa. Pronto, agora eu seria inconfundível.

E feliz, né?

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