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O Lunário Perpétuo surgiu numa época em que tais publicações eram populares, favorecidas pela recente invenção da imprensa de tipos móveis, que barateou consideravelmente o preço dos livros e os tornou acessíveis para a população de baixa renda. Para muitos camponeses os almanaques foram os únicos livros que leram em vida e onde aprenderam as primeiras letras. Como seus congêneres, o Lunário Perpétuo oferecia conselhos e orientações sobre os mais variados aspectos da vida, incluindo tabelas das fases da lua, dos eclipses do sol e das festas móveis, previsões do tempo, horóscopos, elementos de direito, navegação, teologia, saúde, agricultura, maneiras de interpretar o comportamento dos animais, biografias de santos e papas e outros dados de interesse geral. Gozou de amplo favor das elites bem como do povo, recebendo muitas reedições, sendo um dos livros escritos em castelhano mais popular de todos os tempos.
Era particularmente útil para os agricultores, dando-lhes instruções para organizar sua rotina ao longo do ano e com isso fazer boas colheitas. Seu autor, ativo entre o fim do século XVI e o início do século XVII, ganhou reputação como excelente astrólogo e matemático e como um investigador da natureza. O livro foi expurgado pela inquisição em 1632, tendo como base a edição de Barcelona de 1625. Depois de revisto, circulou principalmente como o título de El Non Plus Ultra del Lunario y pronostico perpetuo, general y particular para cada Reyno y Provincia, mas popularmente se tornou conhecido apenas como Lunário Perpétuo, Lunário ou mesmo Prognóstico. A primeira edição foi perdida, e os exemplares mais antigos a sobreviver são da edição de Madrid de 1598.
Foi publicado em português pela primeira vez em 1703, com tradução de Antônio da Silva Brito. Logo se tornou muito popular no Brasil, tanto que, segundo Câmara Cascudo, que mantinha um exemplar na sua mesa de cabeceira, foi o livro mais lido no Nordeste brasileiro durante dois séculos. Disse o folclorista que “não existia autoridade maior para os olhos dos fazendeiros, e os prognósticos meteorológicos, mesmo sem maiores exames pela diferença dos hemisférios, eram acatados como sentenças”. Capistrano de Abreu também era um admirador do livro, embora não acreditasse em “feitiços”, consultava suas previsões astrológicas. Ainda hoje ele exerce fascínio e se mantém como uma referência na cultura popular nordestina.
A primeira edição deste livro é de Lisboa, publicado por Miguel Menescal. O título expressa a ciência contida: O Non Plus Ultra, do Lunário Perpétuo, geral e particular para todos os reinos e províncias, composto por Jerônimo Cortez, Valenciano, emendado conforme o expurgatório da Santa Inquisição, e traduzido em português. No Brasil a edição mais conhecida data de 1921, tradução de Antônio da Silva Brito, já registrado pelo Dicionário Bibliográfico de Inocêncio, em 1858, sem nota biográfica. O título atual é o mesmo, exceto o “Non Plus Ultra”. Diz apenas: Lunário Perpétuo, Prognóstico geral e particular. Tem 350 páginas. Um pouco de tudo. Astrologia, deuses mitológicos, horóscopos, receitas, calendário, vida de santos, conhecimentos agrícolas, ensinamentos para fazer relógio de sol, conhecer a hora pelas estrelas, veterinária, influência dos astros nas plantas, animais e homens. Todos os conhecimentos de Física, Química, Astronomia e dos cantadores vinha do Lunário Perpétuo.
A leitura desse almanaque foi extensiva a padres, como não poderia deixar de acontecer, auxiliando-os no ofício religioso de facilitar, orientar e ensinar aos seus paroquianos tudo o que pertencia a Deus e aquilo que pertencia ao homem social.
Como não podia ser diferente, ao almanaque Lunário e Prognóstico Perpétuo é um dos objetos da literatura de ficção. No romance Luzia Homem (1903), de Domingos Olímpio, ambientado nos episódios da seca de 1878 na extensão do Nordeste brasileiro, o Lunário foi investigado pelo autor: “Não havia mais esperança. Os horóscopos populares aceitos pela crendice, como infalíveis; a experiência de Santa Luzia, as indicações do Lunário Perpétuo e a tradição conservada pelos velhos mais atilados, eram negativas, e afirmavam uma seca pior que a de 1825, de sinistra impressão na memória dos sertanejos, pois olhos d’água, mananciais que nunca haviam estancado, já não marejavam. No sertão da Paraíba e Seridó do Rio Grande do Norte, moradores de sítios e de rua acatávamos prognósticos meteorológicos do Lunário Perpétuo como sentença quase definitiva. Esse almanaque ensina minuciosamente o que são as ciências complicadas dos astros, das doze casas dos planetas, regaras para conhecer as horas do dia e da noite, remédios estupefacientes para alguma moléstia nos humanos, nos animais e nas lavouras. E, ainda, oferece bons conselhos, à exceção dos que se referem ao enfrentamento das desumanas secas”.
No século XIX e no seguinte, o Lunário Perpétuo seria trasladado para muitas e muitas versões da literatura de cordel, comumente recitadas e vendidas nas feiras livres nordestinas. Esse almanaque – para uns -, manual – para outros -, sucessivamente reeditado e tantas vezes emendado e acrescentado, foi portanto, possuído, lido, relido, recitado, escutado, comentado e seus ensinamentos devidamente apropriados por nossos tetravós, bisavós, avós – filhos, netos e bisnetos, de inúmeras famílias que moravam no Nordeste brasileiro, principalmente no sertão.
O tempo à mercê de Deus:
Mas o lavor e os adubos
Provém dos cuidados teus.
O estrume não é santo, mas faz milagres.
As tempestades purificam o ar e adubam a terra.
Quem mal lavra, pouco ceifa.
Pelo S. Mateus pega o arado e lavra com deus.
Quem não lavra quando pode
Não o faz sempre que quer.
Começa e acaba tudo a tempo. (Valenciano)
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