João Pessoa, 11 de novembro de 2024 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Esse texto foi publicado em julho deste ano com o título Deixem Aranha em paz – apenas trocamos o titulo e republicamos nesta segunda-feira, dia em que o jornalista Carlos Aranha levantou voo – (Kubitschek Pinheiro)
Numa terça-feira de julho, saindo do Hospital Napoleão Laureano, encontro um radialista, que dispara: “você já foi fazer uma visita a Carlos Aranha?” Não respondi. Esse homem nunca está a ler um livro, o radialista.
Estava com “O livro do desassossego” de Fernando Pessoa e, talvez por um sortilégio, a criatura insistiu: “eu estive com ele, quer as fotos? Não, não faça isso, não saia mostrando as fotos de uma pessoa como se ela fosse o homem elefante.
Sai dali sem acreditar, tinha ido a uma solenidade e encontro a pessoa a mostrar fotografias em que ela aparece do lado do jornalista Carlos Aranha. Uma agonia esses instantes infernais dos prints, capturas de imagens encaminhadas pelo Zap.. Não faça isso.
O bairro de Jaguaribe quase deserto, próximo do bairro de Cruz das Armas, onde Carlos Aranha não habita mais, sequer sabe que está sendo fotografado – pessoas doentes? Não faça isso “colega”, como dizia Barbosinha.
Carlos Aranha há muito deixou que “essas coisas” desaparecessem de nós, da sua vida (um amigo, uma mulher, Ivone pelo telefone, o pai, um poeta puto, uma casa, uma crônica), das quais parece que está a se despedir.
Esse percurso, ousadia, curiosidade, literatura, já não interessa a Carlos Aranha – se Caetano Veloso estacionou um dia seu carro no Leblon, ou se Gilberto Gil anunciou que fará sua última turnê, em 2025. Nada.
Carlos está chegando aos 80 anos e ele precisa ficar em paz, talvez não goste mais de dormir, nem de acordar, sequer encontrar mortos vivos no mesmo abrigo. Mortos vivos não interessam.
Certas visitas são desnecessárias e certas pessoas, atitudes escrupulosas. Evite visitar uma pessoa que está doente, caso você não tenha tido com ela uma relação estreita, fraternal.
Deixem Aranha em paz, a ficar a não pensar nas coisas esquecidas, as manhãs tediosas, sem as fotografias sobre a cômoda, com seus suspiros sem choro, solitário. Deixe-o.
Carlos Aranha nunca foi um réquiem, it’s happening, um passarinho. Fez o que pode mais pelos os outros, do que por si mesmo; ou ao contrário, talvez um samba acabado, uma extravagância, ouvindo Wonderful World do Louis Armstrong, do que foi e não foi, não será, um Brasil Wonderland.
Talvez um abraço, uma homenagem minha, um pacato cidadão com seus problemas, um ato de afeto de um jornalista que quis escrever e escreveu tudo que quis.
Luz do sol segue apagando, seja onde for, até numa cama onde nunca dormimos. Um telefonema e a plasticidade da imagem, arrastada pelo coro dos imbecis.
Talvez por isso se cavam sepulturas antes, para aqueles que não morreram na guerra das palavras.
Deixem Carlos Aranha…
Kapetadas
1 – Pensa que é jornalista, mas não passa de um plantador de vírgulas.
2 – Quando para o relógio da linguagem ao recarrega-lo é muito mais flutuante do que escrever para leitores que não leem nada.
3 – Som na caixa: “Enquanto a coca enche o nariz, a grana incha a matriz, o pênis penetra a velha atriz”, dele Sociedade dos Poetas Putos
OPINIÃO - 26/11/2024