João Pessoa, 01 de dezembro de 2024 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
O último encontro com o jornalista Carlos Aranha foi no Banco do Brasil da Praça 1817. Não, não quero falar do último, nem da primeira vez, sequer da primavera. Entre o silêncio e o invisível esbarramos numa epopeia, a velha epopeia, essa palavra que a gente usava muito nos anos 80, assim como um happening.
Para alguns, Carlos Aranha está entre acenos do passado que o perseguem, nunca entre as frases, ditas ou escritas por ele, quando era um ser visível aberto a essas coisas ou coisa nenhuma.
Aranha viveu o gosto de um sonho que era para ele, mas acordou tarde naquele dia. Não guardo dele a fotografia que fizemos no interior do Banco do Brasil – até que procurei, mas lembro daquele momento, nós dois em plena lucidez.
Desde a primeira vez, talvez não, eu percebi nele um homem abalado pelo impossível, que sabia muita coisa, mas se agarrou ao jornalismo, certamente por uma questão de prazer e sobrevivência. Poderia ter sido cantor, mas não é fácil compor e cantar. “Ivone Pelo Telefone” que o diga.
Aranha sequer remexeu nos ciclos e se um dia foi realizado como aprendemos a gostar de imaginar que somos, mas o futuro é tão antigo quanto o passado. Carlos sabia o que sabia e isso parecia suficiente. O que é o suficiente?
Se ao menos a gente soubesse o que sabemos agora, se nos fosse oferecida a oportunidade de outra vida simples ou voraz, não diria outra palavra, senão, repetir a sacada do refrão do Rappa, “Paz sem voz, não é paz é medo”
Não estou dizendo exatamente nada, sobre o tempo em que ele ficou internado num abrigo num bairro da cidade – ali não era mais Carlos Aranha – não era mesmo – já tinha se despedido do mundo, ao morrer tantas vezes em demasiado na sua imaginação – sim, a gente morre todos os dias.
Cada vez menos tocado no vinco da vida, Aranha voltou para casa, não a casa de Cruz das Armas, mas talvez ao extremo, o segundo sol ou o mais ansiado perfume das flores invisíveis de quem é merecedor.
Fazer renascer na própria vida quando o dia não é mais rotina, quando a idade bate na porta, certamente aumenta a fome de viver, mas não foi o caso dele. Já vivia o claro e o escuro, sem perguntar que horas são. Pra quê? Deixou para trás a Lagoa do Parque Solon de Lucena pé ante pé que ele adorava, sem jamais estrangular o cisne.
Não sei se lançou reflexos ou reconfesso, sei lá, procurando outra forma de vida. Claro que não.
Ontem olhando o mar não lembrei dele, ele não era do mar. Nem imagino a última vez que Carlos esteve diante do mar. Mas isso pouco importa.
Na superfície, ele não está, falamos muito e as palavras fazem-nos ver que o silêncio é maior e ter a certeza de que tudo isso será esquecido, até o mais singelo e verdadeiro gesto dele ou meu.
Não sei mais o que falar sobre Carlos Aranha – não sou nem mais doce ou misericordioso, nem guardo horas perdidas – a continuação da vida é uma ordem até que todos nós nos percamos de vista.
Kapetadas
1 – Sustentar uma decisão é pior do que decidir.
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