João Pessoa, 08 de janeiro de 2025 | --ºC / --ºC Dólar - Euro

ÚltimaHora
Poeta, escritor e professor da UFPB. Membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Memórias de um bancário

Comentários: 0
publicado em 08/01/2025 ás 07h00
atualizado em 07/01/2025 ás 19h15

Mallarmé dizia que tudo deveria virar livro. Não discordo do poeta. Os assuntos, os motivos, os temas, as experiências, a multifária oferta da realidade humana podem, sim, se converter na magia das páginas, dos capítulos e dos parágrafos.

Confeccionado, o livro garante a perenidade do registro histórico, a relevância de um testemunho subjetivo, a química sutil da palavra estética, dependendo, é óbvio, de suas diretrizes semânticas e de suas implicações circunstanciais. Livro é produto impresso, é bem do mercado editorial, é objeto de consumo e prazer, é dispositivo crítico, ponto de partida para a reflexão e o conhecimento. Livro é vida!

É lendo Memórias de um bancário, de Everaldo Dantas da Nóbrega, em sua segunda edição revista (João Pessoa: Ideia, 2022), que me ocorrem estas considerações, advindas, sobretudo, da singularidade do seu conteúdo. Já li livros intitulados “Memórias de um repórter”, “Memórias de um médico”, “Memórias de um escritor”, “Memórias de um soldado”, “Memórias de uma prostituta”, “Memórias de um cafajeste”, “Memórias de um advogado”, “Memórias de um juiz”, “Memórias de um poeta” e por aí vai.

Tais memórias, e as de Everaldo Dantas da Nóbrega não fogem à regra, apenas recortam aspectos particulares da vida do autor, em geral, atinentes às circunstâncias de sua vida profissional, ou, em outra clave, tonalidades curiosas de certos hábitos, gostos, inclinações e preferências. Não se estendem, portanto, ao complexo maior de uma existência na sua totalidade, se é que é possível cobrir, pelas memórias, autobiografias e biografias, a vida de uma personalidade em toda sua magnitude. Afinal, toda memória, como toda biografia, não tem fim.

Sou dos que pensa que tais gêneros, íntimos e heterodoxos, como os diários e as confissões, por exemplo, são naturalmente incompletos, lacunosos, abertos, às vezes até mistificadores e ficcionais na expansão de sua sintaxe subjetiva e parcial. Não raro, passional!

Mesmo assim, vejo elementos importantes, contribuições necessárias, lições aproveitáveis, tanto nas memórias lato senso quanto naquelas que se apegam a uma faceta específica da trajetória humana. Não importa, aqui, por conseguinte, a natureza artística da palavra, a preocupação com a eficácia e a estesia do estilo, enfim, com aquilo que os formalistas russos, no afã de imprimir cientificidade ao estudo da linguagem poética, denominou de “literariedade”.

A relevância do conteúdo, os ingredientes informativos, as achegas biográficas, a descrição de hábitos e costumes, a evocação de fatos e pessoas, de ambientes e paisagens, tudo conta positivamente para validar obras que tais como ricos e indispensáveis documentos sociológicos.

O livro desse sertanejo de São Mamede se insere perfeitamente nesta linhagem memorialística. Ao mesmo tempo em que se rastreiam ângulos e diâmetros psicológicos do autor, desde sua primeira juventude até a maturidade, pode-se acompanhar, pari passo, sua pequenina odisseia no mundo profissional.

Se lá, deparamos com os traços de uma personalidade altiva e disciplinada, persistente e idealista, aqui somos envolvidos em situações e episódios que pontuam a sua longa caminhada, dos quais devo destacar, entre outros, o concurso para o Banco do Brasil, aos 16 anos de idade; a nomeação, a posse, as passagens por Pombal, Souza, Cajazeiras, João Pessoa e Brasília, assim como experiências especiais como estagiário, consultor jurídico, substituto e professor.

Tudo isto segue o curso de uma narração linear, cujo protagonista, num lento e gradual movimento de ascensão, contorna obstáculos e supera dificuldades, sempre atento ao compromisso profissional e aos ditames morais da ética do trabalho. Contando sua história, vivenciada nas dependências de uma instituição bancária, o autor faz de sua palavra um espelho objetivo que bem reflete as componentes internas do ambiente institucional.

Horário de expediente, funções administrativas, procedimentos jurídicos, colegas de trabalho, numerários, convites, viagens, lazer e tantas outras solicitações promovem o andamento do texto, descortinando aspectos imprescindíveis à compreensão do universo particular de uma entidade credora como o Banco do Brasil. Segundo o narrador, à época, “a mais importante da América Latina”.

Everaldo Dantas da Nóbrega escreve de maneira simples, clara, objetiva e atenta a pormenores e detalhes que ilustram o corpo da matéria narrada. Fala dele, de suas ansiedades, emoções e perplexidades intrínsecas ao tecido da experiência vivida, mas também fala dos outros, de lugares, de funções e decisões que o marcaram como homem e como profissional, selando o seu destino de escritor e de advogado.

Ao texto escrito se junta o acervo iconográfico, fotos e reproduções que robustecem a fatura informativa, complementando, assim, a história individual de um homem que nunca abdicou de seus sonhos e do gosto pela palavra. Seja a palavra literária, seja a palavra jurídica.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB