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Escritor paulista Rogério Duarte lança ‘O livro a desoras’, seu primeiro de poesia

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publicado em 11/01/2025 ás 12h00
atualizado em 11/01/2025 ás 12h05

Kubitschek Pinheiro

Escritor, professor e editor Rogério Duarte estreou na poesia com “O livro a desoras” (Editora Patuá), uma reunião de 93 poemas divididos em dez partes, concebidos desde 2011 e escritos entre 2022 e 2023. É um livro que cativa. O selo é da Editora Patuá. O abra já foi lançada na Festa Internacional Literária de Paraty (Flip) e também foi destaque na Flitabira, em Minas Gerais. Os poemas lembram cartografias, desejos revelados em constante ação, falam do mundo e da vida da gente, um alento, uma dor e uma necessidade de trazer a palavra para o terreno fértil, o coração do poeta.

O escritor falou conversou com MaisPB e fala da obra, de seus preferidos Hilda Hilst e Orides Fontela fontes de nova obra, de Drummond, Valter Hugo Mãe,João Cabral de Melo Neto, Walt Whitman, T.S. Eliot, Cecília Meireles, Torquato Neto e da alusão ao Livro de Horas, de Rilke Drummond.

Conexão Rogério Duarte

Graduado em Letras pela USP (2000), mestre pelo Mackenzie (2009) e doutor, novamente pela USP (2013), e pós-doutor em Ciências Sociais (PUC-SP, 2017), investigando as relações entre literatura e sociedade, Rogério Duarte lecionou Língua e Literatura por 28 anos, no Ensino Médio e Superior, além de cursos preparatórios para vestibulares e para o Concurso de Admissão à Carreira Diplomática. Além de autor de material didático, atualmente trabalha como editor na Editora Hedra, especialmente na Coleção Metabiblioteca (de clássicos da Língua Portuguesa).

Foi jurado do Prêmio Jabuti nos anos de 2017 e 2018 e do Prêmio São Paulo de Literatura em 2023. Como escritor, publicou “Carta ao Meu Pai” (Editora Chiado, 2017) e “Contos de Elevação e Desapontamento” (Editora Scortecci, 2019).

Desde 2019, é Secretário-Geral da União Brasileira de Escritores, instituição na qual esteve à frente das Terças Literárias (entrevistas semanais com grandes nomes da literatura brasileira contemporânea) e contribuiu na organização do Concurso de Contos Anna Maria Martins, do Concurso Nelly Novaes Coelho de Literatura Infantil e Juvenil, do Prêmio Claudio Willer de Poesia e do Troféu Juca Pato. Na mesma instituição, em parceira com o Instituto Vladimir Herzog, é coordenador da comissão julgadora do Prêmio Vladimir Herzog, na Categoria Livro-Reportagem desde 2021. Participou de comissões julgadoras do PROAC de 2020 a 2023.

O escritor falou conversou com MaisPB e fala da obra, de seus preferidos Hilda Hilst e Orides Fontela fontes de nova obra, de Drummond, Valter Hugo Mãe,João Cabral de Melo Neto, Walt Whitman, T.S. Eliot, Cecília Meireles, Torquato Neto e da alusão ao Livro de Horas, de Rilke Drummond .

MaisPB – Que bonito O Livro a Desoras, o título, o miolo, poemas de uma década, misturados com os mais recentes. Vamos começar por aqui?

Rogério Duarte – A beleza da edição é responsabilidade direta do editor Eduardo Lacerda, da editora Patuá, cuidadoso com o livro e extremamente atencioso comigo. Eduardo é generoso e gentil. Eu não poderia ter editor melhor. O título dialoga com os livros de horas medievais, que eram livros de devoção. Eu queria fazer uma obra antidevocional, então bolei esse título com a palavra “desoras”, cujos significados trouxeram múltiplos sentidos ao livro, que também alude ao Livro de Horas, de Rilke. Esse conjunto foi maturado ao longo de mais de dez anos, mas escrevi a maioria dos poemas em 2022 e 2023, especialmente depois de ler a obra poética de Hilda Hilst e Orides Fontela. Em hipótese alguma me comparo com elas, mas essas duas escritoras é que me botaram para escrever, por assim dizer.

MaisPB – O livro já foi lançado na Festa Internacional Literária de Paraty (Flip) e na Casa Gueto. na Flitabira, em Minas Gerais. Foi boa a reação do público?

Rogério Duarte – Sendo muito franco, esses dois lançamentos tiveram pouco público (quase nenhum!), mas serviram para promover o livro, que entreguei na mão de muita gente boa e querida. Valter Hugo Mãe, a quem dei o livro em Itabira, leu, gostou e falou a respeito no Instagram. Mas o lançamento mais cheio foi em São Paulo mesmo, com a presença de muitos amigos.

MaisPB – Você atribui o impulso da publicação de seu livro a descoberta de ‘Rosa Egipcíaca: uma santa africana no Brasil’, de Luiz Mott. Poderia explicar esse elo?

Rogério Duarte – Quando escrevi o livro, não queria falar só de mim, queria falar do Brasil, especialmente da mentalidade brutal que originou a colonização. No contexto que temos vivido, não dá pra escrever um livro sem pensar nas consequências brutais da colonização e da escravidão, que devastaram terra, vidas, povos inteiros. A história de Rosa Egipcíaca sempre me interessou porque me parece ser a história de uma forma de resistência a essa brutalidade colonial. Pois bem: o livro de Luiz Mott era raro no mercado, mas foi relançado recentemente. Comprei assim que saiu essa nova edição. Quando comecei a leitura, encontrei ali a descrição perfeita do impulso violento que dá origem ao Brasil: o “inficcionado” (com a letra “i” mesmo), uma espécie de cobiça doente que destrói tudo. Mott explica esse afã por meio de uma passagem de um livro da história de Minas Gerais. Esse trecho é uma das epígrafes do livro. Eu queria mergulhar um pouco na experiência brasileira da violência, observando de dentro esse impulso violento, cujas consequências ainda são perceptíveis entre nós. Está no cotidiano, nas ruas, nas casas, nas relações. O livro de Luiz Mott me deu o nome desse eu brutal que mora entre nós: inficcionado.

MaisPB – Li que você gosta da poesia de Carlos Drummond de Andrade (o maior poeta brasileiro) Hilda Hilst, João Cabral de Melo Neto, Walt Whitman, T.S. Eliot, Cecília Meireles, Torquato Neto e a contemporânea Micheliny Verunschk. Não está faltando aí o poeta do Eu, Augusto dos Anjos?

Rogério Duarte – Fui professor de literatura por quase 30 anos e tenho uma memória muito positiva do Augusto dos Anjos: poemas como os “Versos íntimos” sempre encantavam os alunos. Sempre que eu terminava, lendo “Escarra nessa boca que te beija!”, muitos vibravam, adoravam, queriam ler outros poemas do autor. Era sempre uma alegria ler o Augusto dos Anjos em sala de aula porque ele tinha essa capacidade de levar a poesia inclusive aos alunos que não se interessavam muito por ela Eu gosto sim de Augusto dos Anjos, cujo Eu e outros poemas li de cabo a rabo, ainda na faculdade, empolgadíssimo. Mas não posso dizer que ele tenha me influenciado de forma consciente como Hilda, Drummond, Cabral, Orides e Piva.

MaisPB – A propósito alguns versos seus lembram coisas augusto dos anjos – por exemplo – “infantes estrepitosos ameaçadores aos gritos em dispositivos: livros inscritos ao vento: patrimônio do inficcionado (e velocípedes de alma ginetosa em riste) , sendo que seus versos são modernos, mas Augusto sempre foi moderno…; Podemos falar sobre isso?

Rogério Duarte – Também não me considero capaz de compor versos com tanta capacidade de entusiasmar. Confesso que jamais tinha pensado que meus versos poderiam trazer à memória do leitor a poesia de Augusto dos Anjos. É uma grande alegria que você tenha feito essa relação. E pensando bem, em alguns poemas, o vocabulário, o ceticismo, a descrença e a violência permitem fazer a conexão. Sorte a minha! Sem me comparar, é claro, com Augusto dos Anjos, que é mestre, fico feliz que meus versos possam resgatar os dele.

MaisPB – Genial esse verso – “navalhadas na praça e estátuas de derrotados chorosos em noias de uma dose de gerações inteiras de sensíveis medíocres esquecidos” – Bora falar sobre?

Rogério Duarte – Sem querer explicar o poema todo, evitando que o professor (que eu também sou) se meta no campo da produção poética, acho que posso dizer o seguinte: quando escrevi esses versos, eu estava tentando conversar com o poema “capoeira”, de Oswald de Andrade, com a “Elegia 1938”, do Drummond, e com as angústias contemporâneas, especialmente a exclusão social e a dependência química. De forma geral, o que eu tentei fazer foi trazer esses dois poetas para a Praça Dom José Gaspar (onde eu trabalho) e para o centro de São Paulo de hoje.

MaisPB – A capa do livro é bem apropriada para os poemas, né? Uma cena de nudez e a dor em preto e branco…

Rogério Duarte – Eu confesso que adorei essa capa por vários motivos. Aqui vão dois. Primeiro: a imagem é de um artista japonês do século XVII, Kanō Naonobu, que dialoga com o livro (por meio desse passado que se repõe no presente, afinal a imagem parece ter sido feita por um artista contemporâneo!) e comigo, pessoalmente, de várias maneiras. Segundo: o pássaro que ali está representado parece machucado, como se tivesse sido alvejado em pleno voo e agonizasse logo depois, imagem que aparece mais de uma vez no livro.

MaisPB – Seu livro “Carta ao Meu Pai” tem é uma carta mesmo, no estilo de Kafka? E “Contos de Elevação e Desapontamento” do que trata?

Rogério Duarte – Antes de falar sobre esses dois livros, cabe uma observação geral: para mim, eles serviram como preparação para o trabalho do Livro a Desoras. Eu gosto dos dois, mas considero hoje que são livros menores, de um escritor inexperiente, que ainda amadurecia e aprendia. Não os renego por tudo que representaram para mim quando foram publicados, mas é claro que eu ainda tinha muito a aprender quando os apresentei ao público

A Carta ao meu pai é uma carta toda simétrica e espelhada, dividida em 18 partes, de filho para pai, uma tentativa de representar a incapacidade brasileira de superar o passado. De certa forma, o projeto do Livro a Desoras já estava ali, mas em um formato convencional, com essa alusão pretensiosa e explícita demais ao Kafka. Os Contos de elevação e desapontamento foram escritos ao longo de mais de dez anos. Alguns deles eu publiquei em um blog que já não existe mais. Apesar de ver neles bastante inconsistência, gosto, por motivos pessoais, de alguns contos do livro, especialmente o primeiro, “Barreiros”, e o último, “O menino que não sabia rezar”; juntos, eles dão alguma unidade ao conjunto. Recentemente publiquei um conto em uma antologia chamada Gerúndio a dois, organizada pelo editor Alexandre Staut, da editora Folhas de Relva. Digamos o seguinte: esse conto sintetiza em menos de vinte páginas tudo que eu queria fazer nesses dois livros.

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