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Poeta, escritor e professor da UFPB. Membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Cobiçadas regiões

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publicado em 15/01/2025 ás 07h00
atualizado em 14/01/2025 ás 18h37

 

Há, na minha biblioteca, regiões mais cobiçadas. O território da poesia, por exemplo, é uma delas. Poesia dos paraibanos, dos outros estados, dos estrangeiros. Nem vou citar nomes: são tantos os lidos e amados nesta esfera singular da vida de leitor!

Não gostaria de esquecer nem de omitir ninguém. Todos, cada um a seu modo e dentro do retângulo imprevisível da fala lírica, ensinam-me a geometria da paixão e a solenidade das coisas inúteis. Ou, em outra medida, a convicção de que o caos lateja no espetáculo do coração humano.

Passo muitas horas, muito dias, muitos meses, anos e anos frequentando a geografia dos versos. Viajo, como se fora um mágico andarilho ou um estranho colecionador de pérolas, pelas planícies e cumes das palavras de pequenos e grandes poetas, anônimos e consagrados, clássicos e modernos.

Ora, me vejo embrenhado pelas matas do rio Paraíba, lendo, em suas margens solitárias, a canção de dor de Augusto dos Anjos. Ora, atravesso as pontes de Recife, serenado na humildade melancólica dos versos de Manuel Bandeira. Ora, escalo os declives das montanhas de Minas Gerais, sonhando em ser um outro fazendeiro do ar, Carlos Drummond de Andrade me revelando a latência poética que dorme no ferro e na pedra. Ora, sou atraído pelo cheiro de maresia, pelas ilhas de Maceió, seus caranguejos e suas ostras de odores perfurantes, ou pelo negrume da noite que veste o sangue na Serra da Barriga, as invenções e o desamparo de Orfeu, e dialogo com o pirata Ledo Ivo e com o feiticeiro Jorge de Lima. Ora, fico à beira do Sena, principalmente Charles Baudelaire me conduzindo pelos terraços de Paris, pela desolação da vida. E mais: T. S. Eliot, Fernando Pessoa, Jorge Luís Borges, Federico Garcia Lorca e tantos e tantos, povoando o silêncio das imagens amadas.

Mas, não é só a poesia, que me atiça o desejo ou a volúpia da leitura, a ter uma preferência em meio à vasta coleção de livros que fui formando ao longo da vida. Claro: a poesia me é essencial. Sem ela, talvez, não tivesse percorrido certos caminhos, adorado certas coisas, lutado por certas causas, amado certas pessoas, experimentado certos sentimentos que me jogaram, em plena luz da rotina ordinária, na tempestade revolta e escura do espanto e do êxtase.

É…, no meio da jornada, tinha a poesia, seu duro e doce vocativo, para me aproximar do mistério e da sagração de todas as coisas.

Passo, agora, a falar de outra região que amo por demais e que tem meu apreço especial nas viagens que faço pelo espaço de minha biblioteca. Vou chamá-la de livros. A região dos livros. Dos livros sobre livros.

Sempre estou lendo algo do ramo. Coleciono títulos e volumes cujo assunto central seja o livro. Do livro e seus derivados. A história, a estética, a editoração, as edições, as coleções; sociologia, autores, capas, vinhetas, tipografia, dedicatórias, epígrafes, ilustrações, traduções, tipo de papel, tamanho, alinhamento, diagramação, tudo me seduz no contato com o livro.  E cada tópico destes pode configurar a temática central de um livro.

A essas alturas, sou tomado pelo aroma de suas narrativas imaginárias. Tateio páginas como se tocasse a fina pele de um animal sagrado. Ouço a melodia que se dissemina pelo corpo dos parágrafos, pelos capítulos que nunca se completam, por um vocábulo perdido e isolado que vale por mil imagens. Vejo a cor dos fenômenos que se cristalizam na dança da leitura. Degusto o sabor de cada proposição, alicerçada no sonho e no fetiche do adorável objeto, ao mesmo tempo físico e virtual.

O livreiro, a livraria, o bibliófilo, o bibliômano, os homens-livro e tudo mais que pode alimentar a bibliolibido estimula o convívio do leitor e amplia os horizontes incalculáveis da leitura. O leitor e a leitura também integram as paisagens dessa região maravilhosa. Compreendo perfeitamente, portanto, a obsessão daquele personagem de Machado de Assis que “lia de manhã, de tarde e de noite, ao almoço e ao jantar, antes de dormir, depois do banho, lia andando, lia parado, lia em casa e na chácara, lia antes de ler e depois de ler”.

Ler, ler de um tudo, porém, sempre ler livros sobre livros. Sobre leitores, sobre leitura. Aqui, existe uma variedade imensa. Os livros técnicos e científicos. Estes nos mostram aspectos materiais relevantes no processo de consumação do livro. São, no mais das vezes, leituras áridas, motivadas pela necessidade de informação. Há os livros que testemunham o prazer da leitura, trazendo à tona a memória dos momentos capitulares, o quanto o livro abastece e fertiliza a imaginação e a fantasia do leitor. Estes são bênção e bálsamo. Verdade e beleza.

Melhor ainda, nos livros sobre livros, além de tê-los à palma da mão, é descobri-los, adquiri-los, lê-los e amá-los numa única operação. Com um amor indissolúvel, uma dedicação poética, uma entrega absoluta.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB