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Kubitschek Pinheiro
O Tempo é o narrador da obra “Para Não Acabar Tão Cedo” que a jornalista e escritora Clarice Freire acaba de lançar com selo da Editora Record– depois de suas publicações poéticas Pó de Lua (2014) e ‘Pó de lua nas noites em claro’ (2016), este último finalista do Prêmio Jabuti de Literatura 2017 A obra tem um cenário incrível que nos guia e, no mesmo espaço, une vidas.
Para Não Acabar Tão Cedo traz uma novidade e nós acompanhamos nas imagens das irmãs Lia e Augusta e aliado narrador feroz que nunca espera por ninguém – um veleiro sempre a partir na vida dessas duas mulheres que um dia acordam com seus corpos de 50 anos atrás. É surreal? Só lendo o livro para saber. O livro de Clarice Freire é cheio de descobertas.
O livro chega a ser voraz, familiar e cruel.
Trecho
“Há instantes em que me dilato dentro das pessoas. Como se uma corda, ao ser esticada, ficasse maior, mas ainda é a mesma corda. E fica difícil dar a mim alguma medida, como gostam de fazer e necessitam. Certamente Augusta não saberia dizer, se lhe pedissem para contar, o quanto ficou sozinha comigo dentro daquele apartamento sem Lia. Observando a expressão da jovem contrariada, com respiração sofrida, vi uma briga silenciosa e violenta. Ela tinha gostado de ver Lia andar de novo, havia sonhado e desejado bastante a liberdade da irmã, mas não daquela forma, não para que desaparecesse. A verdade é que Augusta encontrou uma paz vergonhosa e cruel desde que Lia se resignara a sua cama e, de lá, recusou-se a se levantar, havia tantos anos. Foi naquele período que, em meio à piedade e tristeza, Augusta se tornou, novamente, necessária, fundamental, indispensável.”
Clarice Freire é mais
Escritora, pesquisadora e ilustradora pernambucana, Clarice Freire é publicitária e mestra em Ciências da Linguagem, área em que seguiu no doutorado. É autora de dois livros best-sellers de poesia visual, Pó de lua(2014) e Pó de lua nas noites em claro(2016), sendo o segundo finalista do Prêmio Jabuti de Literatura 2017, na categoria Ilustração. Clarice também é vencedora do Prêmio Orgulho de Pernambuco 2018, do jornal Diário de Pernambuco. Com seus perfis de poesia, textos literários e ilustrações nas redes sociais, conquistou, ao todo, mais de 1 milhão de seguidores. Este é seu primeiro romance. Clarice é mais, bem mais
A autora conversou com o MaisPB e nessa sequência o leitor já pode saber mais do livro cuja leitura é um prazer.
MaisPB – Muito boa essa ideia das personagens acordarem com seus corpos rejuvenescidos – vamos começar por aqui?
Clarice Freire – Sim, foi uma das primeiras coisas que me vieram quando pensei na história. Duas irmãs idosas que despertariam com os corpos rejuvenescidos. O livro todo se passa praticamente em um dia só, que é o desenrolar dessa coisa estranha que acontece com elas. O que as duas fazem com o tempo, a partir do que o Tempo faz com elas. Penso muito que a vida, vivida até o fim, tem todas as suas fatias, pedaços, momentos inteiramente únicos. E todos são vida.
MaisPB – Estamos todos aí, né?
Clarice Freire – Todos. A infância, a velhice, a adolescência. Mas existe um clima cultural e mercadológico fortíssimo que nos leva a viver como se só a juventude fosse a vida. Aquele ínfimo espaço no qual somos “produtivos, belos, úteis”. O resto, literalmente, um resto. Ou uma busca impossível de estar ali para sempre. Mas se olharmos em perspectiva, ela (a juventude) é uma fatia, um dia entre tantas estações. Era algo sobre esse sentimento que me movia a querer contar essa história desde a primeira ideia.
MaisPB – Fora o surreal, o milagre, as duas “novinhas em folha” mas são bem diferentes e são pessoas reais, que encontramos pelas cidades – você conhece bem as irmãs Augusta e Lia, né? Elas são pernambucanas, moram em Boa Viagem ou na Jaqueira?
Clarice Freire – Conheço bem e o que tem sido muito interessante de ver é que os leitores também conhecem. Tenho participado de muitos clubes de leitura e lido muitas resenhas sobre o livro. São muitas as identificações. Mães, tias, avós, tantas mulheres que veem a si mesmas. Todos conhecem Lias, Augustas e têm, com elas, profunda relação. Todos têm, em si, Lias e Augustas entrelaçadas de uma maneira que tem sido uma maravilha para mim, como autora, testemunhar. Vivo no Recife, mas minhas raízes paternas e maternas estão no interior de Pernambuco, entre o agreste e o sertão. Dos dois lados, grandes matriarcas que levam a família no afeto, na força e na panela, eu acho. As gerações mais antigas dessas mulheres enfrentaram muitas privações, cortes, silenciamentos, mas também foram encontrando suas fugas e liberdades. E um imenso controle sobre todos, ou cuidado, a depender do contexto. Controle esse que é complexo para quem está ao redor de tanta força. Então elas moram em Boa Viagem, moram na Jaqueira, moram no interior, moram em Casa Forte, moram em João Pessoa, no Rio de Janeiro, em Minas Gerais, em São Paulo, em Santa Maria. Em todos os lugares.
MaisPB – “Para não acabar tão cedo” – gostei do título. Tem uma canção de Djavan “Vesúvio” que ele diz assim – “quando se for demorar, não vá tão cedo” – Como veio a sacada do título?
Clarice Freire – Veio a partir de uma conversa com Marcelino Freire, escritor, meu primo, sempre muito presente comigo. Em uma conversa, quase que de brincadeira, ele disse que os poemas de Cecília Meireles trazem ótimas inspirações para títulos. Eu sempre fui leitora apaixonada de Cecília e achei um poema dela que resume muito do sentimento do livro. Ela diz: “tu tens um medo: acabar/Não vês que acabas todo dia/Que morres no amor/Na tristeza/Na dúvida/No desejo/Que te renovas todo dia”. E segue em um texto lindíssimo. Esse texto ficou aberto, na minha frente, enquanto escrevia. Antes de começar o livro, o poema começou em mim. Sempre estava lá. Foi daí que, compreendendo para onde as duas irmãs haviam me levado, no fim de tudo, que veio o título.
MaisPB – O tempo não espera por nós, por ninguém, mas ter colocado o Tempo como narrador o seu livro uma ideia supimpa, né?
Clarice Freire – Sim, eu também gostei do Tempo que acabou nascendo nessa história. Eu não queria um senhor sábio, etéreo. Queria um Tempo-narrador que se sujasse com a história, que se envolvesse e fosse capaz de aprender com as pessoas, se surpreender, se revoltar. Ele também tem suas solidões, suas vaidades, suas frustrações e seu jeito próprio de ver as coisas. Em termos linguísticos, foi um desafio gostoso criar esse ser que não usa a palavra “tempo” à toa, nem nossas expressões comuns, pois fala de si. Quando ele fala do presente, conjuga tudo no passado. Quando fala do passado, conjuga tudo no presente, para mostrar que não sente o mundo de maneira linear, que não cabe nos ponteiros. Quando decidi por ele como narrador, era a peça que faltava para o enredo fazer sentido e fluir. No fundo, perceber o tempo e ser percebido por ele, como disse Micheliny Verunschk na orelha do livro, é um belo e necessário caminho para todos nós.
MaisPB – A capa é um tanto estranha e proposital e lembra os dois rostos desenhados na escuridão e a imensidade do mundo, tem uma perceptiva na capa, não?
Clarice Freire – É verdade! A capa foi ilustrada por mim, com aquarela. A Editora Record, sempre muito delicada, entusiasmada, respeitosa, na pessoa do meu querido editor Lucas Telles, incentivou bastante que eu desenhasse, então me animei. Pensei nas cores representando o dia e a noite, por conta do curto intervalo de tempo no qual tudo acontece na história. As irmãs de frente uma para a outra, entrelaçadas, como uma coisa só, mostrando essa simbiose profunda de Lia e Augusta. No meio se forma, discretamente, a imagem de uma ampulheta. É o Tempo, bem no meio daquela relação. A concepção dessa capa me rendeu um processo bonito.
MaisPB – Na verdade, é um romance bem construído, mas feito por uma escritora gosta de escrever e ler poemas – estou certo?
Clarice Freire – Sim, está. Eu sou da poesia e sempre serei. Por isso a minha prosa vai estar permeada da palavra poética porque é assim que falo com o mundo. No fim, tudo se mistura, como sempre fiz.
MaisPB – Aliás, vamos falar do Pó de Lua (2014) e Pó de lua nas noites em claro (2016), este último finalista do Prêmio Jabuti de Literatura 2017 – bora falar dessas conquistas e desses dois livros?
Clarice Freire – Tenho muito carinho pelos dois livros, que são retratos de uma Clarice muito diferente da de hoje, mas muito corajosa diante da palavra, eu acho, especialmente na idade que tinha. São livros de poesia visual. Eu comecei publicando poesias autorais na internet em meados de 2013, quando quase ninguém fazia isso. Trocava muitas ideias com Pedro Gabriel, hoje grande amigo e poeta, porque realmente era algo muito novo. Mais novo ainda foi ver tudo aquilo virar livro. Minhas poesias eram sempre desenhadas, tanto que os dois livros, quando nasceram depois, foram praticamente feitos a mão. A edição era artesanal, levava para a editora os originais em mãos, redesenhava coisas. Os livros rodaram muito, conheci muitos lugares do Brasil por causa deles, entrei no mundo da literatura. Esses livros me deram muitas alegrias e abriram as portas da poesia para muita gente, o que muito me orgulha.
MaisPB – Você conhece o trabalho da escritora pernambucana Fátima Quintas?
Clarice Freire – Fátima é uma figura importantíssima para Pernambuco. Em tantos âmbitos distintos. Na pesquisa, na literatura, âmbitos preciosos para mim.
MaisPB – Vai lançar o livro aqui no Nordeste?
Clarice Freire – O primeiro lançamento do livro foi no Recife, em julho de 2024. Como lançamento exclusivo do livro, a primeira vez fora do Nordeste vai ser agora, em janeiro de 2025, em São Paulo e no Rio. São Paulo, dia 21, às 19h, na Livraria da Tarde, em Pinheiros. Rio de Janeiro, dia 23, às 19, na Janela Livraria.
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