João Pessoa, 22 de janeiro de 2025 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Fatos corriqueiros
sustentam o esqueleto
do meu verso.
Em primeiro lugar,
meu verso é intraduzível.
Do inglês,
talvez, certas expressões
idiomáticas
alcancem o odor
da banalidade.
Meu verso não presta.
Está cheio de furos
e desencanto.
Mistura, na fornalha
da cesura, o lábio
da bela com a íris
da fera abatida.
Sua vida
pode ser um estilhaço
na noite de vidro,
a fuga do inseto
pelos palácios do esgoto,
o escroto
que bate na puta.
E por falar nisto,
só as italianas mexeriam
no meu verso.
O espanhol
se perde na luta
dos fonemas.
Todo poema
acompanha a dor
de Dom Quixote.
Alemão
é holocausto,
transcende a inocência
do meu verso.
Holocausto
é toda tradução.
Meu verso, meu
poema, minha canção
são
rigorosamente intraduzíveis.
Em segundo lugar,
porque meu verso tem
a taquicardia da prosa,
colarinho e gravata
fora de lugar,
seus descuidos de ocasião.
Ratos
saem das sombras
para roer a carne
das palavras.
O veneno
da cobra escorre
das imagens
que apodrecem
sob a ruga do sol.
Meu verso,
bêbado, se perde
na esquina
do esquecimento.
Meu verso
é só tormento, tortura
da sílaba que cala.
Os que não
têm casa têm casa
dentro do meu verso.
O facínora
que assalta, mata;
o louco que faz xixi
na lua;
a donzela que se estupra
na ilusão do príncipe
encantado;
o padre psicótico
que se masturba
na sacristia;
a viúva,
cuja vulva dispensa
o logro do marido;
a costureira que se alegra
com as mortalhas;
a canalha dessa gente
que morde, inveja, cospe
no prato que comeu;
o que se deu o tiro
perfeito
no campeonato de roleta
russa,
todos residem
no conforto do meu verso.
Como traduzir
esse idioma sem palavras?
Meu verso,
como haicai,
não se traduz
nem se faz.
Por fim, repito:
meu verso é intraduzível.
Principalmente para o francês.
(Do livro inédito, O ácido aroma de poemas ordinários)
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