João Pessoa, 26 de janeiro de 2025 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Quando eu nasci, minha mãe já não queria ter mais filhos e meu pai sabia disso – acho que eles estavam na fase dos 40 anos – nem filho, nem sexo e amor, não me lembro se existia. Antes de mim vieram os gêmeos Babá e Pretim, figuras ilustres da minha vida.
Meu pai me contou que quando os gêmeos nasceram primeiro veio um, e minha mãe ficou sentindo dores e quando olharam sustiveram a respiração e os soluços, sem lágrimas, aí veio o outro. Dois filhos de uma vez para uma mulher que já tivera seis, convencida que parir era uma agonia devido as dificuldades, ela sozinha para cuidar de tudo, encerrou ali a récua. Puta que pariu!
Minha mãe parecia ter regressado da purificação do purgatório e fechou a porteira e nunca mais se teria notícia de uma parteira lá em casa. Meu pai se conformou o convívio dos homens de pijama, que não teria mais o poder da sedução, se é que isso existia naquele fim de mundo. Bom, sedutor ele foi até morrer.
Ela se mudou para o outro quarto e passou a dormir com os filhos.
Meu pai falava coisas bonitas do Menino de Engenho (foto) de Zé Lins do Rego, aquela cena final, que o menino vai embora, mas isso só acontece depois, e meu pai gostava mais de Doidinho. Dá no mesmo – Doidinho, segundo livro do ciclo de cana-de-açúcar, tira o menino Carlos de Melo do cenário Engenho Santa Rosa, fazenda de seu avô para ir a escola interna. A passagem do menino para a adolescência entre as quatro paredes do internato em Itabaiana é o ponto de partida para Doidinho.
Não é porque todo mundo quando faz uma postagem do pai ou mãe vivos ou mortos, que escrevem eles eram, eles são “os melhores” pais do mundo, mas eu também os achava e amava mais meu pai, porque ele lia bons livros, me mandou pra vida antes que eu existisse.
O dom da esperança, que da minha auréola de luz foi cortada, impedida e, por isso, nunca hei de ser um anjo, mesmo que dotado de asas, muito embora para voar precisamos de muitas coisas. Precisamos da vida como ela é. Talvez uma chaminé, mas não existia isso na casa amarela da esquina, onde nascemos e fomos criados, no Sertão.
Fora uma espécie de desculpa, meu pai nunca entendeu o gesto de minha mãe, ele era mulato e gostava muito do erotismo, como todo mundo – e, para apagar esse liame ele sofreu e não me pergunte como fez para não ficar sem. Não ficou.
O sexo, o cheiro do sexo empesta uma vida toda, sentindo no corpo, nas roupas, no sofá. nos abraços eu sou exatamente assim, igual meu pai, nunca um paradoxo insistente, apenas possível na transição entre corpos e séculos de amor.
Conduzido por uma força, eu nasci. Meu pai disse que foi a última vez, com aquele seu estado de espírito a me fazer feliz e lembrar dessa cena pelo resto da vida.
Em tempos na sua barriga, não sei de nada, se mexia ou se dava pinotes tamanha imperatividade que me acompanha até hoje e, claro, no escuro, às vezes choro. Como tal, o fim de rama nascido como um diamante ao pequeno-espaço de vida, num sertão que eu amava e amarei.
O conteúdo dessa história que sobrevive sobre minha viagem no caminho das pedradas ficou para trás, longe, bem longe e eu sequer me pareço comigo, mas simbolizo a última transa deles com todos os propósitos de elevado prazer de meu pai com minha mãe.
Eu sou o menino velho, mas tudo me parece semelhante a qualquer outra forma de transatlanticismo. É, mas ninguém me ensinou a remar.
Enfim, o caçula envelheceu.
Kapetadas
1 – Sai: “você está demitido!”; entra: “você está deportado!”.
2 – Um benefício adicional ao planeta a noite traz: bilhões de pessoas de boca calada.
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CLÁSSICO SERTANEJO - 26/01/2025