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Titular em Letras Clássicas, professor de Língua Latina, Literatura Latina e Literatura Grega da UFPB. Escritor, é membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Vandalismo

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publicado em 17/02/2025 ás 20h42

Narra-se que, quando os Bárbaros invadiram Roma, aconteceram saques, pilhagens, estupros, mortes, incêndios, mas houve um certo escrúpulo com relação aos templos, que foram, na sua maioria, respeitados, seja pelo temor místico ao desconhecido, seja pela imponência dessas edificações romanas.

Passado o domínio bárbaro e Roma tendo chegado ao seu apogeu, o cardeal Barberini, à época Urbano VIII, o Papa das Abelhas, ordenou que os artistas fossem recolher bronze onde existisse a preciosa liga metálica, para que fossem erguidos os monumentos que marcariam o seu papado. Foi dessa maneira que o Pantheon, por exemplo, obra de Marco Agripa, no século I a. C., Cônsul romano três vezes, general e genro de Otávia, irmã de Augusto César, foi saqueado para que Gian Lorenzo Bernini fizesse o Baldaquino da Basílica de São Pedro. Tal fato originou um dito sarcástico dos romanos, que se tornou famoso, ao longo dos séculos, pelo trocadilho inteligente que ele guarda – Quod Barberi non fecerunt, Barberini fecit (o que os Bárbaros não fizeram, Barberini fez).

O título deste artigo não trata do famoso soneto de Augusto dos Anjos, embora se refira ao poeta. Não se apresenta aqui o vandalismo como a simbologia de ruptura do Poeta do Pau d’Arco com o credo simbolista, cujas características salpicam aqui e acolá a sua poesia. Trataremos do puro vandalismo, do que destrói, para nada construir em seu lugar. O vandalismo danoso, causador não apenas de prejuízos materiais, mas de grande prejuízo cultural.

A nossa Academia Paraibana de Letras deveria ser merecedora de maior cuidado para parte das autoridades constituídas. É, queiramos ou não, goste-se ou não dela, um patrimônio que a Paraíba tem. Embora tenha o seu reconhecimento, a APL encontra-se relegada a um segundo plano, por não existir uma vigilância na área, dando azo aos bandidos de atentarem contra o seu patrimônio.

Já roubaram, várias vezes, o cobre dos aparelhos de ar condicionado, levaram a placa de bronze do Memorial Augusto dos Anjos, cuja entrada se situa na Rua Duque de Caxias, número 37, e, na quinta-feira da semana passada, dia 13 (se fosse um sexta-feira 13 até que entenderia…), roubaram a fiação da Academia, quase inviabilizando a eleição do dia seguinte.

Hoje (segunda-feira, 17 de fevereiro), após uma reunião, ficamos conversando, em no pequeno jardim da entrada do APL, ao pé da estátua de Augusto dos Anjos, obra em bronze, de autoria do escultor Jurandir Maciel, contratada na Administração do confrade Damião Ramos Cavalcanti, quando foi o seu presidente. De repente, demo-nos conta de que faltava alguma coisa na estátua. E realmente faltava. Os vândalos roubaram a bengala do poeta, porque foi a única coisa que conseguiram subtrair. A solidez da obra de Jurandir Maciel resistiu às marteladas na cabeça, no pescoço, nos braços e nas pernas, visíveis a quem se der o trabalho de examiná-la com cuidado.

O vandalismo e os roubos que ocorrem na Academia Paraibana de Letras é o microcosmo do que acontece no Brasil, cujo descaso com o patrimônio cultural é notório. Veja-se, por exemplo, o desabamento do texto da Igreja de São Francisco de Salvador, há 15 dias, matando uma turista de São Paulo. Brasil, cujas obras tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico desabam literalmente ou são vandalizadas, sem que se veja uma reação das autoridades responsáveis. É a imagem de um país rico culturalmente, mas indigente na preservação do seu patrimônio material ou imaterial.

Os Bárbaros, com toda a destruição operada na Europa Ocidental, a partir do final do século IV d. C., ajudaram a construir uma civilização, como os godos na Península Ibérica. O Papa Barberini saqueou o bronze dos templos romanos, mas enfeitou as igrejas e o seu palácio, hoje aberto à visitação pública, em Roma (Palazzo Barberini), ajudando na preservação de um patrimônio, atualmente, universal.

Os vândalos e bandidos que aqui temos, só atuam com o sentido da destruição, roubando o bronze para ser vendido e derretido, destruindo-se, tout court, um patrimônio. E as autoridades sequer conseguem ver como a nossa cultura derrete. Vale aqui, como boutade e como trocadilho imperdível e apropriado, reproduzir as palavras de Severino Ramalho Leite, Presidente de nossa Academia Paraibana de Letras, ao constatar o roubo da bengala de Augusto dos Anjos: “Era só o que faltava. Levaram a bengala de Augusto. A Parahyba continua a lhe tirar o apoio …”

Resta saber até quando o descaso baterá a nossa porta.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB