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José Nunes da Costa nasceu em 17 de março de 1954, em Serraria-PB, filho de José Pedro da Costa e Angélica Nunes da Costa. Diácono, jornalista, cronista, poeta e romancista, integra a Academia Paraibana de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, a União Brasileira de Escritores-Paraíba e a Associação Paraibana de Imprensa. Tem vários livros publicados. Escreveu biografias de personalidades políticas, culturais e religiosas da Paraíba.

A pastora de sonhos

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publicado em 19/02/2025 ás 07h00
atualizado em 18/02/2025 ás 19h51
 
         No homem que cultiva a terra está a sabedoria da espiritualidade que os monastérios antigos descobriram. A terra como santuário mudando o sentido da vida. Dessa sabedoria vem o símbolo da resistência e da perseverança que continua a revelar caminhos silenciosos, mesmo que a terra esturricada atrofie os pés dos caminhantes que passam levantando poeira.
         Os olhos cansados da camponesa, símbolo da resistência e da perseverança, que chega aos cem anos, ainda marejam, ao observar a paisagem da estrada úmida do sangue, sem que a poeira dos pés e o barro das mãos percam a simbologia da luta.
         Muitos mártires de hoje vivem nos gestos e nas atitudes daqueles que se encontram na dor de seus antepassados. O povo caminhante do deserto acreditava no sonho da libertação como nos tempos passados e continuam acreditando nessas motivações para nunca desistir.
         A camponesa Elizabete Teixeira tem o rosto do povo rural, porque o Nordeste vive como ela, enfrentando os perversos desafios. Ela é uma parte desse povo que sonha, catando o pão na terra esturricada.
         A alma de seu marido está enraizada na terra do Nordeste, na luta contra o latifúndio canavieiro. O tempo que envergonha a Paraíba continua nas feridas da alma, na palma das mãos, no viver macambúzio e no olhar melancólico de camponeses.
         Elizabete Teixeira sempre foi uma camponesa tostada pelo sol, caminhando pelas estradas pontilhadas de sofrimentos, sem nunca esmorecer, porque é uma pastora de sonhos. Do tempo passado trouxe jorro de recordações que a mantém viva no coração de cada camponês.
         Mas a luta nunca é em vão, pois tem sua força no sangue descido da cruz que se esparramou pelas terras do calvário. Quando Francisco Julião, o pai das ligas camponesas, reuniu pouco mais de um cento de pessoas, para assistir à missa de trigésimo dia pela alma do trabalhador assassinado, a pequena e silenciosa cidade de Bom Jardim, interior de Pernambuco, presenciou um ato histórico que mudaria a história de lutas pela terra. Ao falar à pequena plateia, mulheres choravam lembrando do camponês abatido na escuridão da noite, sentado à mesa, quando degustava a rústica ceia.
         Aquele que estava estirado no chão, na boca da noite de 5 de outubro de 1959, não era apenas mais um trabalhador morto, mas um símbolo de luta de gente humilde. Cinco anos depois, as terras paraibanas eram ensopadas pelo sangue de outro camponês, abatido como um passarinho em Café do Vento. Torrentes de lágrimas se misturavam com a angústia da perda, mas ganhava a imagem de uma sombra que passou a incomodar os escravizadores.
         Como o camponês de Bom Jesus, nas terras de Sapé, o homem abatido como um passarinho no entardecer silencioso passou a ser o símbolo da reforma agrária. Uma luta que não foi em vão, porque da terra vem a vida. Considerados perigosos pelo Estado, os camponeses Antônio Cícero Barbosa de Paula e João Pedro Teixeira foram símbolos contra os latifúndios.
         A sujeição sempre foi grande, a escravidão continuou de outros modos depois da Abolição do 13 de Maio de 1888. As primeiras ligas camponesas surgiram no Engenho Galileia, no município de Vitória de Santo Antão, interior de Pernambuco, logo ampliando seu raio de ação. Os donos das terras, ao se colocarem contra os direitos dos trabalhadores, contribuíram para que estes se organizassem.
         Na época, a Igreja fracassou no apoio a essa iniciativa dos trabalhadores rurais, porque, ao invés de orientar e participar da luta, buscava catequizar as famílias agricultoras para aceitar tudo como desígnio de Deus.
         No crepúsculo das ligas, Julião confiava na vitória do homem do campo. A enxada foi um fator de escravidão, mas no embrionário sinal do campo, em 1959, apontava para a libertação, mesmo que tardia.

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