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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

A velha infância

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publicado em 02/03/2025 ás 07h00
atualizado em 01/03/2025 ás 20h57

Comprei na “Livraria do Luiz” uma edição capa dura do livro “Infância” de Graciliano do Ramos – por apenas dez reais. Não parece um preço justo até para haver um modo de construir um hábito de leitura e se chegar a “Vidas Secas”, obra prima de GR. Dez reais é quase nada.

A infância de muitas pessoas deixa marcas cruéis, mas que encorajando-nos a pesar cada fase, antes de desferir o golpe da idade avançada – feito eu, um homem que já nasceu velho.

 Nas primeiras páginas, Graciliano fala das nuvens, da manhã e do verão. Ele diz que guardou na memória um vaso de louça vidrada cheio de pitombas, escondido atrás da porta. Pitomba é uma fruta besta, não é?

A infância deveria ser o que fosse em que sentido fosse, mas muitos pulam essa fase, sem direito a educação, a um banco na escola. Terminam com uma pistola na mão. Quando não, são explorados pelo trabalho infantil.

Sabe-se que tarde ou mais cedo, a infância se perde no caminho das espinhas estouradas no rosto, que qualquer palavra que pronuncie poderá ser invocada como desejo. A coisa da libido, sabe né? Falando em libido, o esquecido escritor Ascendino Leite costumava dizer que a libido é a única coisa que levamos no caixão. Não sei para que, afinal, nunca vamos encontrar as 5 virgens no céu, anunciadas pelos extremistas islâmicos.

Quando a gente morre vai para o céu?  Esse lugar deveria ser precisamente o que mais nos incita, chegar o céu, tão lindo é o céu e um bando de nuvens a passar.

 Produzir ecos capazes de se autonomizarem e de, mais tarde, serem lembrados como berros que podem se voltar contra nós, não é uma repetição. O invulnerável está  ai e a pancada maior é quando a gente vira homem.

O proposto de  escrever um livro e colocar o nome  “Infância”, essa circulação dos textos que nos remetem para lugares longínquos  e nos limitam a só lembrar, não é bem isso que Graciliano faz em seu livro, talvez as ilustrações de Darcy Penteado. Mas isso é outra arte.

Na obra, Graciliano consegue tanger o passado através da memória e não é fácil já que a memória é mutante. O pior é que muitas pessoas sequer tem memória, elas lembram e fazem de conta que não –  o que fazemos por elas, e isso está longe da nossa velha infância.

 Quando alguém diz que é amigo de infância mais do que qualquer outro propósito referido pela maioria das pessoas, é expor uma felicidade que vem de longe, certamente, um zelo, mas não é  só na infância que somos amigos, algo que se mostra hoje mais necessário do que nunca, ser amigo na velhice.

 A velha infância se trata de uma ocupação da qual se pode entrar e sair incólume do coração do outro.

 A presunção das inconsequências das coisas que se diz e não se escreve, poderia muito bem ser resolvidas com abraços.  Mas é natural que nos provoque irritação atitudes levianas, com que tantos se propõem mostrar e ignorar o amor que tínhamos um pelo outro.

 Vou ler a “Infância” de Graciliano Ramos, é o que melhor que posso fazer nesse carnaval, para não esquecer das matinês do Jatobá Clube.

Kapetadas

1 –  O desgoverno está aí, aliás, governar sempre foi distribuir cargos como quem joga milho para um bando de pombos.

2 – Eu gosto do Brasil. Somos perturbados, ignorantes e desonestos, mas eu adoro esse país

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB