João Pessoa, 02 de março de 2025 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Comprei na “Livraria do Luiz” uma edição capa dura do livro “Infância” de Graciliano do Ramos – por apenas dez reais. Não parece um preço justo até para haver um modo de construir um hábito de leitura e se chegar a “Vidas Secas”, obra prima de GR. Dez reais é quase nada.
A infância de muitas pessoas deixa marcas cruéis, mas que encorajando-nos a pesar cada fase, antes de desferir o golpe da idade avançada – feito eu, um homem que já nasceu velho.
Nas primeiras páginas, Graciliano fala das nuvens, da manhã e do verão. Ele diz que guardou na memória um vaso de louça vidrada cheio de pitombas, escondido atrás da porta. Pitomba é uma fruta besta, não é?
A infância deveria ser o que fosse em que sentido fosse, mas muitos pulam essa fase, sem direito a educação, a um banco na escola. Terminam com uma pistola na mão. Quando não, são explorados pelo trabalho infantil.
Sabe-se que tarde ou mais cedo, a infância se perde no caminho das espinhas estouradas no rosto, que qualquer palavra que pronuncie poderá ser invocada como desejo. A coisa da libido, sabe né? Falando em libido, o esquecido escritor Ascendino Leite costumava dizer que a libido é a única coisa que levamos no caixão. Não sei para que, afinal, nunca vamos encontrar as 5 virgens no céu, anunciadas pelos extremistas islâmicos.
Quando a gente morre vai para o céu? Esse lugar deveria ser precisamente o que mais nos incita, chegar o céu, tão lindo é o céu e um bando de nuvens a passar.
Produzir ecos capazes de se autonomizarem e de, mais tarde, serem lembrados como berros que podem se voltar contra nós, não é uma repetição. O invulnerável está ai e a pancada maior é quando a gente vira homem.
O proposto de escrever um livro e colocar o nome “Infância”, essa circulação dos textos que nos remetem para lugares longínquos e nos limitam a só lembrar, não é bem isso que Graciliano faz em seu livro, talvez as ilustrações de Darcy Penteado. Mas isso é outra arte.
Na obra, Graciliano consegue tanger o passado através da memória e não é fácil já que a memória é mutante. O pior é que muitas pessoas sequer tem memória, elas lembram e fazem de conta que não – o que fazemos por elas, e isso está longe da nossa velha infância.
Quando alguém diz que é amigo de infância mais do que qualquer outro propósito referido pela maioria das pessoas, é expor uma felicidade que vem de longe, certamente, um zelo, mas não é só na infância que somos amigos, algo que se mostra hoje mais necessário do que nunca, ser amigo na velhice.
A velha infância se trata de uma ocupação da qual se pode entrar e sair incólume do coração do outro.
A presunção das inconsequências das coisas que se diz e não se escreve, poderia muito bem ser resolvidas com abraços. Mas é natural que nos provoque irritação atitudes levianas, com que tantos se propõem mostrar e ignorar o amor que tínhamos um pelo outro.
Vou ler a “Infância” de Graciliano Ramos, é o que melhor que posso fazer nesse carnaval, para não esquecer das matinês do Jatobá Clube.
Kapetadas
1 – O desgoverno está aí, aliás, governar sempre foi distribuir cargos como quem joga milho para um bando de pombos.
2 – Eu gosto do Brasil. Somos perturbados, ignorantes e desonestos, mas eu adoro esse país
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BOLETIM DA REDAÇÃO - 28/02/2025