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Allyrio Wanderley revisitado
O fato literário, como qualquer fato histórico e cultural, carece de organização. Sobretudo, quando é pouco conhecido e quase nada estudado. As chamadas obras de referência, neste passo, constituem um capítulo fundamental. Enciclopédias, dicionários, bibliografias, fortunas críticas, antologias e que tais tendem a prestar um inestimável serviço à ordem do conhecimento e ao patrimônio literário.
Penso, neste momento, no conjunto de obras e autores que formam o espectro da literatura paraibana ao longo do tempo, e constato, com tristeza, que muito pouco se fez para a sistematização, a análise e a interpretação de seus escritores, grupos, movimentos, gerações.
Se temos uma série de antologias, as mais diversificadas possíveis em seus critérios e, não raro, com defeitos e lacunas imperdoáveis, quase não temos história literária, quase não temos estudos propedêuticos, quase não temos o exercício indispensável da crítica. Sendo assim, existe, em contrapartida, material e simbolicamente, um acervo vasto e variado à disposição e, de certa maneira, ainda inexplorado.
Vejo, portanto, com bons olhos o esforço daqueles que, através de suas pesquisas, se debruçam sobre este ou aquele autor, esta ou aquela obra, com o objetivo de resgatá-los do esquecimento e mesmo da ignorância, abrindo, assim, novos caminhos para todos os que se interessam pelo discurso literário, suas técnicas, formas, temas e estilos.
Renato César Carneiro, com Allyrio Meira Wanderley: o romancista (João Pessoa: Mídia Gráfica e Editora, 2024) e Allyrio em Sete (Patos: Ed. Dos Autores, 2024), organizado por Delzmar Dias, são exemplos do que estou afirmando, na sua tentativa de dar visibilidade a um dos mais prolíferos escritores e jornalistas da Paraíba.
A obra escrita e organizada por Renato César Carneiro, segundo seu planejamento, o primeiro volume de uma trilogia, trata de Allyrio, o romancista, e se subdivide em cinco partes, assim enumeradas: Entrevistas, Depoimentos, Notícias literárias, Fortuna crítica e Bibliografia, contendo, ainda, a título introdutório, textos de Gonzaga Rodrigues, Hildeberto Barbosa Filho, do próprio autor e uma Cronologia da Vida e da Obra do escritor patoense.
Como procurei esclarecer nas palavras que assino, não se tem, aqui, um percurso analítico e exegético respaldado em fundamentos teóricos da “ciência” crítica, na sua função própria de elucidar os fatores formais e substanciais intrínsecos à natureza estética do romance. Aliás, nem é este o escopo que motiva a tarefa do autor. Renato César Carneiro traz a sua contribuição, diga-se de passagem, essencial e em tempo oportuno, por outras veredas cognitivas.
Seu objetivo central, percebe-se, desde logo, reside na preocupação de trazer à tona, dos estudos literários e históricos, a figura do escritor no contexto da literatura brasileira, demonstrando, principalmente, a singularidade de sua presença e a força de sua recepção perante a posição dos críticos literários e dos leitores comuns. Neste sentido, o olhar do outro, em suas múltiplas angulações, nos seus diversos pontos de vistas, nas suas peculiares reações, como que molda um retrato objetivo do escritor e aponta sinais significantes que conformam a tessitura humanística, telúrica, ideológica e política de seus romances.
Em Allyrio em Sete, além de “Textos originais de Allyrio Meira Wanderley publicados em jornais da época”, “Entrevistas”, “Crítica Literária”, “Allyrio em recortes cotidianos”, “Sonetos allyrianos” e “Bibliografia”, constam os textos assinados pelo organizador, por Bruno Gaudêncio, Gonzaga Rodrigues, José Mota Victor, José Romildo de Souza, José Ozildo dos Santos e Naeuda de Araújo Wanderley, Kiarelly Cícero Martins da Nóbrega, Noélia Oliveira Brito. Cada um, a seu modo, revela aspectos curiosos a respeito da vida e da obra de Allyrio Wanderley. Passagens biográficas, questões políticas, fatores históricos, situações pitorescas, traços específicos de sua personalidade intelectual, relações editoriais, ensaio, tradução, articulismo, entre outros tópicos, são repassados, aqui e ali, como elementos constitutivos de sua trajetória de escritor e de sua singular individualidade humana.
É bom revisitar os nossos autores. Cultivar e preservar a sua memória. Não é outro o papel das instituições culturais, assim como não é outro p papel das novas gerações estudiosas.
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BOLETIM DA REDAÇÃO - 28/02/2025