João Pessoa, 07 de março de 2025 | --ºC / --ºC Dólar - Euro

ÚltimaHora
Juiza de 9a Vara Civel de João Pessoa. Especialista em Gestão Jurisdicional de Meios e Fins e Direito Digital

A ROTINA DA MULHER MARAVILHA!

Comentários: 0
publicado em 07/03/2025 ás 09h59

Achei esta crônica escrita em 2013, que representa muito bem a tripla jornada da mulher em meio aos desafios de exercer seus muitos papéis na sociedade e conciliar sua vida particular com o trabalho, o casamento e sua individualidade.

Olhei para o relógio: eram 6:00 horas. Poxa! Tinha que levantar. Após uma noite mal dormida, com uma insônia tremenda provocada por um café expresso e vários chás da Herbalife, levantei-me sob protesto, tomei banho rapidamente e passei às rotinas número 01 e 02: aplicar os cremes no corpo, nas mãos e no rosto, além do protetor solar. Sequei meus enormes cabelos, passei pó-base, blush, delineador e batom, beijei o espelho, vesti a roupa e sentei para tomar café.

Um copo d’água para começar! Comi a fruta do dia (kiwi), mais um pedacinho de cuscuz com ovo de gema mole. Delícia… Depois tomei minhas vitaminas, levantei da mesa, troquei a bolsa para combinar com o sapato, conferi todos os itens, peguei os processos e a garrafa d’água, despedi-me da secretária e peguei o elevador.

Entrei no carro, fiz a oração de costume, liguei o som para ouvir as notícias do dia, abasteci o carro e fiz algumas ligações no trajeto pelo Bluetooth, para não tirar as mãos do volante nem perder a atenção na estrada a caminho de Rio Tinto.

Cheguei lá e adentrei o gabinete, que cheirava a mofo. Despachei logo os processos antes de começar as audiências. Houve uma pequena celebração pelo aniversário de um servidor e, como boa taurina, não resisti: comi do bolo!

Fiz sete audiências e terminei às 13h22min. Saí em direção a João Pessoa para assumir as mais duas varas das quais eu respondia como auxiliar da capital, além da Vara do interior. Fui parada na estrada por uma manifestação de moradores locais, a maioria indígenas, que protestavam contra os buracos, mas, na verdade, queriam chamar a atenção da Chefe do Executivo. Infelizmente, a manifestação foi num péssimo dia, pois a prefeita estava em Brasília. Não tive outra escolha a não ser mostrar minha carteirinha, pois, se não me identificasse, ficaria no final da fila de um engarrafamento de aproximadamente dois quilômetros — e mais compromissos me esperavam.

Entrei em Mamanguape e, para minha tristeza, o Herbalife já estava fechado. Com o ácido clorídrico quase corroendo meus dentes, parei para almoçar. Pedi feijão verde, arroz, purê recheado com carne seca e salada crua sem vinagre. E o que veio? Feijão mulatinho, purê de queijo sem carne e salada sem azeite, ensopada de vinagre. Fazer o quê? Engoli tudo em dez minutos e saí em direção à capital. Mas a exaustão era tanta que errei a entrada do Alto do Mateus e fui parar na estrada para Recife, tendo que voltar por Cruz das Armas — e foi uma cruz mesmo!

Finalmente cheguei, por volta das 16:00 horas na 13ª Vara Cível. Larguei a bolsa e comecei a assinar mais de 100 processos que estavam prontos. Peguei uma nova pilha para despachar e liguei o computador, cujo nobreak deveria se chamar “simbreak” — demorou mais de 15 minutos para ligar! A essa altura, eu já estava começando a soltar fumaça. Por alguns instantes, desisti de ser a Mulher Maravilha e virei o Incrível Hulk!

Para completar, assim que o nobreak resolveu ligar, recebi uma ligação da minha nora informando que estava com 40 graus de febre e que seu esposo ia viajar. Ou seja, eu deveria ficar com a neta. Desliguei o telefone e deu-me uma vontade imensa de gritar. Naquele momento, lembrei-me de um desenho animado em que o personagem gritava dentro de uma panela, mas eu não tinha um utensílio parecido por perto.

Decidi, naquele momento, que eu era, sim, a Mulher Maravilha e que não iria desistir! No outro dia, deixaria a pequena com a secretária, pois, teria que viajar novamente. E então orei:
— Pai, dai-me paciência…

Depois disso, fiz uma penhora on-line e fui parar na 9ª Vara Cível, da qual também estava respondendo, para despachar mais processos, deixando a quarta vara para o dia seguinte.

Saindo do fórum, peguei um enorme engarrafamento no trânsito para buscar minha neta na Colônia de Férias. Depois, fomos lanchar. Chegando em casa, ela ainda quis brincar na Casa da Barbie por alguns minutos. Tomei banho, vesti o pijama e fomos deitar na redinha. Contei-lhe várias histórias e fiz gagal. Depois, deitei-a na cama e contei “Chapeuzinho Vermelho” pela milésima vez. Rezamos juntas e, finalmente, ela dormiu.

Bem, naquele momento, eu não tinha mais cabeça para pegar em processo, muito menos sentenciar! Mas, depois de um dia tão atribulado, tudo valeu a pena quando a ouvi dizer que me amava e me chamando de “amorzinho”, exatamente como eu a chamava. Esse foi o melhor dos feedbacks: amor, carinho, cuidado, compromisso. A gente recebe o que dá…

Não é fácil essa rotina. Tem de ser a Mulher Maravilha MESMO! Mas o que fazer se meus olhos não eram azuis, e sim verdes. Não tinha cabelos pretos. Minha altura estava um pouco fora do padrão de Hollywood. Não usava shortinho azul cheio de estrelas, melhor dizendo, não uso shortinho de cor alguma. Nem corselete vermelho! Mas me orgulho de usar a toga. Não tenho braceletes indestrutíveis, mas carrego uma caneta às vezes bem pesada. Não uso um colar bumerangue, mas carrego no peito a medalha milagrosa de Nossa Senhora das Graças, que me livra de todo mal. Não tenho um laço mágico inquebrável que faz as pessoas dizerem a verdade ao serem tocadas, mas toco as pessoas para que façam o bem. Não uso telepatia, mas sim simpatia. Não vim do Olimpo, mas de Natal. Não sou da Liga da Justiça, onde estão todos os heróis, mas faço parte do Poder Judiciário, e me sinto uma verdadeira mulher maravilha, uma heroína depois dessa louca rotina.

Dedicado a todas as mulheres que se desdobram em mil e que merecem ser reconhecidas todos os 365 dias do anoe não somente no dia 8 de março!

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB