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Escritor, Pianista e Produtor Cultural. É graduado em Engenharia Civil e pós-graduação em Cinema e Televisão. Foi Professor Universitário, no Rio de Janeiro, na área de Marketing e Comunicação. É paraibano e há alguns anos escolheu João Pessoa para sua residência definitiva

Verônica de Teixeira

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publicado em 10/03/2025 ás 16h45

`A distância, vistas sob o mormaço do meio-dia, as duas criaturas que subiam a Serra do Teixeira, pareciam dois guerreiros samurais, como retratados nas gravuras do período mediévico nipônico. Só o chapéu destoava da rústica indumentária de couro que cobria o corpo daquelas mulheres que, obstinadamente, avançavam na direção do Pico do Jabre, abrindo picadas com seus longos facões de metal escuro.

Ao se depararem com um córrego de águas frescas e cristalinas, fizeram uma pausa para abastecer os cantis. Saciada a sede, procuraram abrigo junto a um rochedo granítico, em cuja base havia um velho imbuzeiro oferecendo generosa sombra. Rente ao tronco da fruteira, elas levantaram a cortina de filó pendente do chapéu que protegia seus rostos do ataque das abelhas canudos que proliferavam naquelas plagas como em nenhum outro lugar do sertão. Como num ritual, ao mesmo tempo, elas verteram a água dos cantis sobre a face. A mais alta, tinha as maçãs do rosto coradas, grandes olhos azuis e cabelos claros. Os lábios eram finos e sua expressão transmitia, ao mesmo tempo, sabedoria e determinação. A outra, de pequena estatura, tinha a pele escura e cabelos pretos. Os lábios eram bem desenhados, os dentes fortes e de uma brancura reluzente. A robustez física, bem como a agilidade dos gestos contrastava com a calma e docilidade dos seus pequenos olhos castanhos.

Acomodadas, as duas mulheres abriram seus alforjes e deles retiraram uma espécie de marmita de cobre. Um dos recipientes continha farinha de mandioca e o outro carne seca grelhada. A morena colheu alguns imbus maduros que foram utilizados para umedecer a farinha. Terminada a refeição, a morena retirou um pequeno cantil do seu alforje e, sem tocar os lábios no gargalo, inclinou a cabeça para trás, tomou um gole de cachaça e entregou a bebida para a loura que repetiu os mesmos gestos. Deitaram para descansar e adormeceram profundamente. Foram despertadas por um bando de periquitos que passou grasnando sobre elas. Ainda deitada, a morena respirou profundamente, arregalou os olhos e, silenciosamente, tocou no braço da companheira que meio desperta resmungou “Aiá”.

A morena  cochichou: “Sinhá Verônica não faça barulho. Tem um animal aqui perto.” De um ímpeto, Verônica se pôs em pé e desembainhou o facão. Um rugido forte as fez saber que a fera estava muito próxima.  Aiá, com o mosquete pronto para atirar, colou suas costas nas costa de Verônica para assim se protegerem mutuamente, vez que não haviam identificado a direção de onde vinha o rugido. Paralisadas, durante intermináveis segundos, ouviram um farfalhar de folhas secas seguido de um rugido muito forte vindo do lado que Verônica guardava. Assustada, Aiá se desequilibrou e caiu deixando a pesada armar escapar-lhe das mãos. A onça se mostrou por inteiro, em posição de ataque, a cinco metros de distância do local onde as duas mulheres se encontravam.

Verônica gritou: “Aiá, pegue a arma!” Sem ter tempo para alcançar o mosquete, Aiá gritou: “Corra Sinhá!” A onça saltou sobre verônica com a boca escancarada. Segurando o facão com as duas mãos Verônica apontou firmemente para o pescoço do felino, mas acidentalmente, acertou na boca.  Ferida e desequilibrada, a onça caiu ao seu lado com o facão de três palmos inteiramente enfiado na garganta. Empurrada por uma das patas dianteiras do animal, Verônica também foi ao chão.  Armada, Aiá apontou o mosquete para o animal, mas travou o gatilho ao perceber que a onça não mais respirava.

Paralisada, na posição de tiro, Aiá permanecia com o olhar fixo na onça.  Verônica ergueu os braços na intenção de abraçá-la, mas vendo as próprias mãos totalmente cobertas de sangue, desfez o gesto, ajoelhou-se e puxou o facão de dentro da boca do animal. Com voz trêmula, Aiá disse: “Se não levarmos a pele ninguém acreditará.” Com voz rouca mas firme, Verônica respondeu “Então vamos começar logo pois se o bicho esfriar, fica mais difícil de arrancar a couro.”

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