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Hildeberto Barbosa Filho
Com Estigma de um amor sagrado e outras histórias (João Pessoa: A União, 2024), Claudio Limeira faz a sua estreia no conto. Diria, faz tarde, face a uma longeva carreira literária e a uma persistente militância cultural. Durante um bom período editou o Correio das Artes e, no terreno da poesia, tem três títulos publicados, a saber: Desafio (1980), Cãotidiano (1995) e Remanso (2006).
Muitos dos contos, aqui reunidos, apareceram em páginas de suplementos ou revistas, testados, portanto, pelo crivo de uma variada recepção. Agora, coletados em livro, além de adquirirem uma noção de conjunto, selam um compromisso maior com os objetivos intrínsecos a uma obra pronta e acabada.
São contos simples, singelos, despretensiosos, colados ao fluxo normal da vida, sobretudo da vida rural ou do entorno “rurbano”, como diria Gilberto Freyre, dos pequenos vilarejos do interior. Contos de estirpe fabulatória, de começo, meio e fim, calcados, todos eles, no apelo da ação e da participação dos personagens no contexto da trama.
Avesso aos elementos de técnica sofisticada, ao clima ondulante de atmosferas psicológicas, ao impacto de certos procedimentos formais, no mais das vezes herméticos e estéreis, Claudio Limeira se socorre de um narrador de raízes orais, para contar uma história, seja uma história trágica, seja uma história pitoresca, seja uma história satírica ou jocosa.
Diria que sua fonte primordial reside na memória e num agudo e sutil sentido de observação. Pela memória advém todo um universo de experiências feitas e vividas, registrando, de maneira precisa e saborosa, o ethos peculiar de uma realidade social, as comunidades do campo, com seus credos, hábitos, costumes e fantasias. Pelo senso de observação, veem-se as características do ambiente, os traços caracterológicos dos personagens, o desenrolar dos enredos em sua típica singularidade.
Nesses contos o “quê” e o “como” se correspondem. Ambos possuem sua relevância, na medida em que um depende do outro, na lógica interna da narrativa. O “quê” constitui os fatos, as ações, os acontecimentos; o “como”, por sua vez, concerne ao modo como esses fatos são narrados. Lá, amores desfeitos, crimes cometidos, situações escabrosas, entrechos humorísticos e outros tópicos da pluralidade da vida; aqui, o manuseio da frase fluida e ajustada ao tema, à tática do suspense, a leveza descritiva, a linguagem fácil da fala do povo que o autor valoriza.
A pegada literária me parece se centrar nos dispositivos da estilização da tradição oral. Casos ou “causos”, histórias emblemáticas e tantos outros ingredientes do imaginário popular são como que submetidos, na pena do escritor, ao processo de transfiguração estética, no intento natural de consumação de uma forma artística.
Do primeiro conto, “A confissão (ou debaixo da jaqueira)”, passando por outros, a exemplo de “A namorada”, “Álbum de família”, “A desforra”, “O quadro da discórdia”, até o último, “Vexame em Riacho das almas”, o autor mantém a unidade de tom e de perspectiva. O tom é memorável, singular, afetivo e sinaliza para um narrador cheio de empatia para com o universo que representa por meio das palavras. A perspectiva é cultural, simbólica, particular, ramificada pelo rico e inesgotável oráculo da tradição oral.
Neste sentido, vejo Cláudio Limeira, o contista, inserido numa vertente já sedimentada. Precisamente aquela dos contadores de histórias que, lançando mão dos elementos populares e folclóricos, do repertorio de lendas e mitos, do acervo natural e maravilhoso, fazem a passagem do documento para a ficção, do que é patrimônio antropológico para o discurso literário.
Np Brasil, a tradição se enriquece com um Afonso Arinos, um Monteiro Lobato, um Herman Lima, um Valdomiro Silveira, um Hugo de Carvalho Ramos. Na Paraíba, citaria um Coriolano de Medeiros, um Adalberto Barreto, um José Leite Guerra, um Marco di Aurélio. Entre eles, o nome de Claudio Limeira deve figurar, com este Estigma de um amor sagrado e outras histórias, como exemplo representativo.
O autor não é nenhum neófito na seara da literatura. Poeta, humorista, jornalista, professor, Cláudio Limeira é personalidade distinta na cena cultural do estado. Dedicou toda uma vida às coisas do espírito, tendo como companheira a também escritora e historiadora Yó Limeira, responsável pelo inesquecível “Correinho das Artes” e outros empreendimentos culturais. Contribui, portanto, com este volume ora publicado, para robustecer, cada vez mais, a herança narrativa da literatura feita na Paraíba.
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VAGA DO TCE - 11/03/2025